‘Eles têm que se aculturar’: fala de governador de RR é considerada crime pelo MPF

Antonio Denarium, governador de Roraima (Divulgação/Secom)
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

MANAUS – O governador de Roraima, Antonio Denarium (Progressistas), é alvo de investigação por falas discriminatórias contra o povo Yanomami, durante uma entrevista à Folha de S. Paulo. O procurador da República Alisson Marugal avalia que os comentários do chefe de Estado minimizam a atual crise humanitária vivida pelos indígenas Yanomami e o impacto da ação do garimpo na saúde, no modo de vida e no território desse povo.

Conforme o Ministério Público Federal (MPF), na entrevista à Folha, no dia 29 de janeiro, Denarium menosprezou a cultura e o modo de vida do povo indígena Yanomami quando disse que “eles [indígenas] têm que se aculturar, não podem mais ficar no meio da mata, parecendo bicho“. A fala foi avaliada como conduta ilícita passível de responsabilização civil e criminal.

Por ter Foro Privilegiado, o governador de Roraima será investigado em caráter civil pelo Ministério Público Federal e em caráter criminal perante ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), caso a Procuradoria-Geral da República investigue eventual conduta criminosa.

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Antônio Denarium (Divulgação)

Segundo o procurador, as falas de Denarium encaixam no crime do art. 20 da Lei nº 7.716/1989. “Verificam-se indícios de manifestação discriminatória baseada na etnia, apta a tipificar, em tese, o crime do artigo 20 da Lei nº 7.716/1989”.

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Segundo a redação criminal, praticar, induzir ou incitar a discriminação, ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97), possui pena de reclusão de um a três anos e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97).

Além disso, no segundo parágrafo, a lei diz que: “Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza. (Redação
dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97), Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)”.

“A manifestação preconceituosa concretiza-se com ofensas ou humilhações que importem menoscabo, ultraje ou vilipêndio, valendo-se de expressões linguísticas depreciativas baseadas na etnia. Reclama, pois, o que é denominado pela doutrina de ‘animus injuriandi’ [ofensa a honra alheia]”, pontua o procurador.

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Conforme Alisson Marugal, quando se pratica racismo, além de existir uma ofensa baseada num juízo de superioridade, há ainda um reforço na ideia da necessidade ou legitimidade na exploração, escravização, supressão ou redução de direitos fundamentais do grupo considerado inferior.

Com isso, o procurador avalia que no caso do governador de Roraima, as declarações em que ele diz que os indígenas devem “se aculturar” e que “não podem mais ficar no meio da mata, parecendo bicho”, além de ofender a imagem coletiva do povo Yanomami, ainda reforça que os povos indígenas não podem viver seu modo de vida tradicional.

Trecho do documento do MPF (Reprodução)

“Portanto, a princípio estão ultrapassadas as três etapas indispensáveis para caracterização de racismo: a de caráter cognitivo, em que atestada a desigualdade entre os Yanomami e a sociedade envolvente; outra de viés valorativo, em que se assenta suposta superioridade do modo de vida ocidental; e, por fim, uma terceira, onde o governador supõe legítima a supressão ou redução de direitos fundamentais do Povo Yanomami, consistente na supressão do direito de viver seu modo de vida tradicional”, escreve o procurador.

Repúdio

Após a polêmica fala do governador de Roraima, Antonio Denarium, a Hutukara Associação Yanomami lançou nota de repúdio, por considerar a declaração “mais um ataque aos povos indígenas”. A associação escreveu que Denarium “avança mais um passo na direção da discriminação”.

“A Constituição Cidadã foi uma conquista de todos nós e consagrou os direitos originários dos povos indígenas e sepultou a concepção tutelar e assimilacionista do Estado brasileiro. Os discursos de ódio e os crimes de discriminação praticados por Denarium devem ser processados e punidos, ressalta.

Para eles, Denarium minimizou a crise humanitária que os indígenas Yanomami estão enfrentando por conta da invasão de seu território pelo garimpo ilegal, que cresceu durante os últimos quatro anos, que foram, segundo a associação, incentivamos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e pelo próprio Denarium.

“Nós, povos indígenas do Estado de Roraima, repudiamos as falas do governador Denarium
e requeremos com urgência que seja apurado e condenado pelos crimes que cometeu de discriminação e genocídio dos povos indígenas de Roraima”, finaliza a nota.

Leia nota na íntegra:

Nota de repúdio da Hutukara (Reprodução)
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