ESPECIAL | Eles fizeram a Amazônia de cobaia – Manaus, a grande cobaia

A reportagem esteve na UBS do Morro da Liberdade, onde ouviu relato de paciente que teve Covid-19 e foi atendida no local, recebendo receita com medicamentos do “Kit Covid”, como ivermectina e azitromicina (Ricardo Oliveira/Cenarium)

MANAUS – Capital mais populosa da Amazônia com seus 2,2 milhões de habitantes – segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – Manaus se tornou “cobaia” na prescrição do “Kit Covid”. O tratamento precoce ficou conhecido como marca registrada na gestão de David Almeida (Avante), na Prefeitura de Manaus. Nas unidades de saúde municipais, pacientes recebem receitas com orientações para tomar remédios como hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina, mesmo sem confirmação da doença.

No último dia 21 de julho, a CENARIUM percorreu duas UBSs localizadas em zonas diferentes da capital amazonense. No Morro da Liberdade, na Zona Sul, a primeira constatação foi a demora no atendimento ao paciente, mesmo com poucas pessoas à espera para confirmar ou descartar a infecção por Covid-19. Foram duas horas aguardando entre o atendimento com o clínico-geral até o resultado do teste RT-PCR feito na unidade.

Na longa espera estava Maria Silva*, de 63 anos, que acompanhava o neto de 15 anos com suspeita de Covid-19. Ela contou que procurou a mesma unidade no dia 13 de julho, quando testou positivo para a doença. O médico que atendia no local, Oscar Villágomez Hurtado, receitou medicamentos do “Kit Covid”: azitromicina, ivermectina, prednisona e omeprazol. No entanto, ao procurar segunda opinião médica, o receituário foi alterado.

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“A outra médica mudou, ela mudou porque ela achou que como eu estou vacinada, eu tenho anticorpos e, pela minha idade, ela achou melhor outros medicamentos com sais minerais, vitamina C, vitamina D”, disse Maria, já imunizada com as duas doses da AstraZeneca/Oxford quando infectada com o vírus.

Prescrição sem confirmação

Em outra unidade de saúde, no bairro Coroado, Zona Leste da capital, a reportagem constatou a prescrição de medicamentos mesmo sem o teste RT-PCR, que também é feito no local. Se passando por paciente e descrevendo alguns sintomas da Covid, a repórter foi orientada a se consultar primeiramente com a médica, já que “os sintomas eram recentes”.

Também após duas horas de espera na UBS Enfª Ivone Lima dos Santos, a médica Patricia del Pilar Suarez Sicchar prescreveu medicamentos como azitromicina, ivermectina, vitamina D, zinco e acetilcisteína, alegando que o objetivo era se antecipar ao teste para obter mais sucesso no tratamento.

No local, também foi constatada a utilização de um receituário médico padrão aos pacientes com suspeita de síndrome respiratórias. O documento, como um gabarito, já estava impresso com a lista de medicamentos que compõem o ‘Kit Covid’, como hidroxicicloroquina, ivermectina, azitromicina, vitamina D, zinco, paracetamol, prednisona, amoxilina, bromexina e acetilcisteína.

Politização da saúde

Em janeiro deste ano, com apenas 13 dias no cargo e diante da crise sanitária que assolou a capital amazonense, Almeida já defendia, em rede nacional, que profissionais do sistema municipal de saúde prescrevessem os medicamentos. “Estamos oferecendo à população da cidade de Manaus a informação que nos passaram de que, quando a pessoa sentir os primeiros sintomas, procure logo uma Unidade Básica de Saúde para que possa iniciar o tratamento de forma precoce”, declarou à CNN Brasil.

E continuou a defesa de medicamentos para prevenir e combater a Covid-19, sem explicar a origem científica, prometendo ainda a sua “distribuição”. “Nós temos as medicações receitadas pelos médicos e esse tratamento é exatamente para que a doença não agrave. Porém, nós temos profiláticos e também vamos estar indicando a prescrição médica nos próximos dias e fazendo a distribuição”, afirmou.

A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Manaus e com a Secretaria Municipal de Saúde (Semsa) para maiores esclarecimentos sobre a prescrição do Kit Covid, mas não obteve retorno até a publicação desta edição.

(*) Nome fictício, para preservar a identidade, a pedido da personagem.

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