Especialistas avaliam nova composição da Assembleia Legislativa de Rondônia: ‘Onda conservadora e descaso ambiental’
05 de outubro de 2022
Com forte alinhamento ao "bolsonarismo", nos últimos quatro anos, a Casa de Leis tem histórico marcado pelo apoio ao retrocesso ambiental, demonstrações de LGBTfobia e de negligência às minorias sociais (Thiago Alencar/CENARIUM)
Iury Lima – Da Revista Cenarium
VILHENA (RO) – Uma renovação de mais da metade da atual composição da Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE-RO) foi o resultado da escolha dos eleitores do Estado, no último domingo, 2. A partir de janeiro de 2023, 13 novos parlamentares dão início a um primeiro mandato, em meio a 11 deputados estaduais veteranos reeleitos no 1° turno.
Com forte alinhamento ao “bolsonarismo”, nos últimos quatro anos, a Casa de Leis tem histórico marcado pelo apoio aoretrocesso ambiental,demonstrações de LGBTfobia e de negligência às minorias sociais – caracterizadas por projetos de leis aprovados ou revogados pela Justiça -, em nome do conservadorismo. Especialistas consultados pela REVISTA CENARIUM avaliam o que significa a mudança estabelecida pelas urnas e como devem atuar os novos representantes da população rondoniense. Todos concordam que haverá intensificação de uma onda conservadora e de descompromisso com a agenda ambiental em uma das regiões onde mais se desmata a Amazônia.
Dos 24 deputados estaduais eleitos no 1º turno, 13 vão dar início a um primeiro mandato (Reprodução)
Partidos
O partido do atual governador de Rondônia, Coronel Marcos Rocha, é o que ocupa a maior parte das cadeiras: 5 representantes são do União Brasil. Na sequência, vem o Patriotas, com 3 candidatos eleitos e, na terceira posição, o PSD, também com três deputados eleitos.
Já o PL, atual partido do presidente da República, Jair Bolsonaro, tem dois representantes. O PT, do candidato Lula, elegeu apenas uma deputada no Estado. Veja, abaixo, quem são eles:
Ieda Chaves (União Brasil), esposa do prefeito de Porto Velho, Hildon CHaves (PSDB), foi a mais votada para um primeiro mandato na ALE-RO (Thiago Alencar/CENARIUM)Ao todo, 11 deputados estaduais foram reeleitos, em Rondônia (Thiago Alencar/CENARIUM)
Renovação ou mais do mesmo?
“A política, no Estado, está em um processo de mudanças muito profundas desde 2018”, explica o advogado em Direitos Humanos, professor e pesquisador da Universidade Federal de Rondônia (Unir), Rodolfo Jacarandá.
Apesar disso, ele prevê que a onda bolsonarista deve permanecer, como revela a votação do 1° turno, em Rondônia: 64,36%, ou seja, 581 mil eleitores votaram em Bolsonaro. Os outros 28,98%, 261 mil pessoas, preferiram o adversário Lula.
“A população de Rondônia, cuja maioria é evangélica, vem dando fortes sinais de alinhamento com a agenda conservadora do presidente Bolsonaro. A ALE-RO deve seguir esse caminho, aprofundando uma agenda política em defesa do agronegócio, do empreendedorismo e em defesa de valores tradicionais cristãos”, acrescentou o especialista, que também é membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Law Society Association, em entrevista à REVISTA CENARIUM.
Advogado, professor e pesquisador do Unir, Rodolfo Jacarandá prevê intensificação da onda bolsonarista no Estado (Acervo Pessoal/Reprodução)
Descaso ambiental
Já o professor de Geografia Agrária da Amazônia, também da Universidade Federal de Rondônia, Ricardo Gilson da Costa Silva, diz que muito embora a ALE-RO tenha sido renovada em 50%, muito da velha política vai prevalecer, especialmente, no que diz respeito à preservação do meio ambiente. “O debate ambiental, dos Direitos Humanos e territoriais, na Assembleia Legislativa, é totalmente marginalizado”, lamenta o professor.
“Eu espero que essa nova legislatura mude isso, mas o perfil de quem foi eleito não garante que essa tendência mude. A lógica da sociedade de Rondônia e, que se expressa na formação da Assembleia Legislativa, em sua maioria, é muito pró-agronegócio e, aqui, eles [os deputados] admitem, sem cerimônia, que ser a favor do agro é se posicionar contra a política ambiental e à proteção dos territórios tradicionais, dos povos indígenas e comunidades da Amazônia”, complementou.
Para o professor de Geografia Agrária da Amazônia, Ricardo Gilson, o debate ambiental é marginalizado pela Assembleia Legislativa (Unir/Reprodução)
No ano passado, a Assembleia Legislativa aprovou projetos catastróficos de autoria do governador Marcos Rocha. Um deles, liberava a mineração de ouro no Rio Madeira, em Porto Velho. Outra lei que chegou a entrar em vigor, reduziu quase 220 mil hectares de duas das maiores Unidades de Conservação (UCs) do Estado: a Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná e o Parque Estadual (PES) de Guajará-Mirim.
As duas unidades ficaram com apenas 166 mil hectares e 22 mil hectares, respectivamente, após a redução (Catarine Hak/CENARIUM)
As duas leis foram declaradas inconstitucionais pela Justiça depois de muita pressão de organizações da sociedade civil, como a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, coordenada pela ativista indígena Txai Suruí e sua mãe, a indigenista Ivaneide Cardozo, mais conhecida como Neidinha Suruí. Por outro lado, mesmo com a queda dos decretos, o desmatamento avançou quase 3.000% nessas áreas, segundo o WWF Brasil.
“Na verdade, nos últimos quatro anos, a Assembleia aprovou quase toda a ilegalidade de crimes ambientais, estimulando muito as invasões, o que atende a muitos grileiros de terra, madeireiros e pecuaristas. Eu chamo isso de grupos econômicos da economia extrativa, que têm como objetivo a destruição e apropriação ilegal das áreas públicas, configuradas em terras protegidas e Unidades de Conservação”, disse da Costa Silva.
Para o ex-secretário de Meio Ambiente da capital Porto Velho, o tecnólogo em gestão ambiental Edjales Benício, o resultado do 1° turno contemplou, “muito mais”, os candidatos ligados ao desenvolvimento promovido pelo agronegócio – e que, muitas vezes, desconsidera questões socioambientais -, além das economias ilícitas que assolam a floresta.
“Infelizmente, a composição da futura legislatura, no Estado de Rondônia, contemplou mais parlamentares identificados com a exploração madeireira, com a grilagem e contrários à preservação ambiental, com exceção de uma deputada eleita, agora, pela primeira vez: Cláudia de Jesus, do PT”, declarou Benício. “Ela vem da agricultura familiar, já foi vereadora no município de Ji-Paraná [a 372 quilômetros de Porto Velho] e demonstra um comportamento mais próximo da conservação do meio ambiente, obviamente, conectando isso ao desenvolvimento dos pequenos agricultores”, avaliou.
Ex-secretário de Meio Ambiente de Porto Velho Edjales Benício relaciona a atual bancada ao agronegócio, com exceção de uma única deputada (Acervo Pessoal/Reprodução)
O especialista, que também é conselheiro da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, lamenta, inclusive, a composição da bancada federal. “Infelizmente, essa nova configuração da legislatura, tanto na esfera estadual quanto na federal, não é favorável à conservação do meio ambiente em Rondônia”, destacou Benício.
Quem o acompanha é a presidente da Kanindé, Neidinha Suruí. “O que eu espero é que a atual Assembleia Legislativa eleita atue em defesa dos direitos dos povos indígenas, quilombolas, populações tradicionais e do meio ambiente (…) Sei que é esperar muito, até porque muitos dos que foram reeleitos estão ligados intrinsecamente com invasores, desmatadores e grileiros, mas eu espero muito que eles mudem de postura”, diz a ambientalista.
Mesmo desacreditada da política local, a indigenista Neidinha Suruí ainda espera uma mudança de postura dos representantes (Reprodução)
“Espero que essa Assembleia esteja comprometida com as questões ambientais e não apenas com o agronegócio, porque além de proteger a Floresta Amazônica, isso vai trazer recursos para o Estado e um clima melhor, além de contribuir com as metas globais da Organização das Nações Unidas, a ONU, para garantir o equilíbrio climático”, defendeu.
Por fim, o advogado e professor Rodolfo Jacarandá lamenta que os sinais apontem numa direção contrária, rumo à “aceleração da agenda de destruição ambiental”. “Ou as instituições responsáveis e a sociedade civil reagem a esse movimento, cobrando dos políticos locais maior obediência à Constituição, ou o bioma amazônico, em Rondônia, irá desaparecer das áreas em que ainda sobrevive”, alertou.
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