Evolução econômica de Manaus e perspectivas de futuro

Imagem aérea do Polo Industrial de Manaus (Divulgação/Suframa)
Inaldo Seixas – Especial para Revista Cenarium Amazônia**

MANAUS (AM) – Manaus, que foi criada no século 17 para demonstrar a presença lusitana e fixar o domínio português na região amazônica, está comemorando 354 anos desde sua criação com um enorme vigor econômico, ocupando atualmente, segundo os últimos dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a quinta posição entre os municípios com o maior índice de Produto Interno Bruto (PIB). O PIB é a soma de todos os bens e serviços produzidos em uma determinada região e serve para medir a evolução da economia e, portanto, sua capacidade de gerar riqueza.

A história econômica de Manaus esteve na maior parte de sua existência atrelada à exploração da Floresta Amazônica, uma região de muitas riquezas naturais, razão pela qual houve o interesse dos portugueses em investir e estabelecer seu domínio político e militar.

Quiçá um dos momentos históricos de maior relevância para a economia da cidade nos remeta a época dourada do Ciclo da Borracha, que foi um período econômico ocorrido no final do século 19 e início do século 20, pela crescente demanda pelo látex, produto extraído da seringueira (Hevea brasiliensis), originária da floresta amazônica, no bojo das novas necessidades derivadas da Segunda Resolução Industrial, mas precisamente do nascimento do motor a combustão que deu origem ao automóvel da era moderna.  

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Manaus prosperou muito neste período, que gerava bons lucros provenientes da exportação da borracha, um dos principais produtos da pauta de exportação brasileira naquela época. A cidade se transformou em um grande centro urbano, cultural e social atraindo cada vez mais trabalhadores, principalmente vindos da região Nordeste do País e investimentos nacionais e estrangeiros.

Imagem aérea da cidade de Manaus (Divulgação/Prefeitura de Manaus)

Foi um período de relativo desenvolvimento econômico e social da cidade. No entanto, é bom salientar que já naquela época, como hoje, apenas uma elite que exibia poder financeiro e prestígio centralizou para si vultosos lucros com a exportação do produto do látex, às custas de explorar os seringueiros (coletores de látex) com um sistema de trabalho, em um acerto de contas que nunca fechava entre eles e sempre em favor do senhor do barracão, um sistema com semelhanças ao que hoje conhecemos como trabalho análogo à escravidão.

Depois disso, veio a decadência econômica. Os ingleses, valendo-se de sua experiência nas artes da pirataria, literalmente roubaram sementes da seringueira, levando-as para cultivar em grandes plantações em sua colônia, a Malásia, de forma planejada, logrando elevados índices de produtividade, o que lhes permitiu ganhar o mercado internacional com maior facilidade de entrega em larga escala do produto. Em apenas 40 anos, a Inglaterra tornou sua colônia na maior produtora de seringueiras do mundo, o que arruinou a economia extrativista do ciclo da borracha no Brasil.

Este acontecimento levou o Amazonas e sua capital principalmente a entrar em um período de estagnação econômica. Foi um momento de caos econômico e social e uma tentativa de migração econômica para a agricultura de subsistência e o comércio. Nesse cenário, estabeleceu-se um longo período de decadência, só com uma breve recuperação com a campanha do “soldado da borracha”, entre 1940 e 1945, uma tentativa de reerguer a produção da borracha, para fazer frente às demandas provenientes da campanha da II Guerra Mundial, já que o mercado asiático ficou impedido de fornecer a borracha e colocou novamente a Amazônia como fornecedor dessa matéria-prima para os países aliados.

Mais uma vez, sem planejamento adequado e incentivo que pudesse assegurar de forma definitiva sua exploração e garantir de forma permanente o acesso ao mercado internacional, a produção asiática, mais competitiva com o final da guerra, enfraqueceu a exportação amazônica, e novamente houve o declínio da produção.

A decadência econômica da cidade de Manaus levou à intervenção do governo federal brasileiro, que criou, já na segunda metade do século 20, a Zona Franca de Manaus (ZFM). A atração de indústrias multinacionais de bens manufaturados para a cidade, que até hoje se constitui como elemento central e dinamizador da economia da cidade, teve como objetivo a integração econômica e política da região com o resto do País, além da segurança nacional.

A economia de Manaus atualmente está alicerçada na indústria de transformação e na administração pública. Os setores da indústria da transformação e de serviços são os principais motores da economia manauara. O enorme crescimento econômico dos últimos anos é fruto principalmente da criação da ZFM, modelo de desenvolvimento voltado para a atração e instalação de empresas por meio da oferta de incentivos fiscais, criada pelo Decreto-Lei nº. 288, de 1967.

Sede da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) (Reprodução/governo federal)

Segundo o professor Márcio Holland, da Fundação Getúlio Vargas (FGV EESP), desde a sua implantação, a ZFM passou por diversas fases, a saber: de 1967 a 1975, com predomínio da indústria de montagem; de 1975 a 1991, marcado pelo índice de nacionalização, quando a contrapartida dos incentivos fiscais passou a ser a nacionalização de insumos, o que trouxe maior valor agregado ao Polo Industrial de Manaus (PIM). A partir de 1991, o Processo Produtivo Básico (PPB) passou a ser a contrapartida principal dos incentivos fiscais, o que trouxe valor agregado ainda maior; e, finalmente, a partir de 1996, a mudança com a Política Nacional de Informática e de inclusão digital.

 “A ZFM promoveu o crescimento da renda per capita acima da média nacional; em 2010, a renda per capita do São Paulo (R$30 mil) era 1,8 vezes maior do que a do Amazonas (R$17 mil). Em 1970, no começo da ZFM, a renda per capita de São Paulo (R$17,4 mil) era 7 vezes maior do que a do Amazonas (R$2,4 mil). Houve, assim, relevante redução da diferença de renda per capita entre o Amazonas e os Estados mais ricos do País”, afirma Holland. O problema para o desenvolvimento do Estado reside em que essa maior riqueza esta concentrada na sua maior parte no município de Manaus.

Manaus, ao longo de sua história, tem mostrado uma grande resiliência frente aos enormes desafios impostos pela dependência econômica externa e complexidade logística. Apesar de todas as dificuldades, dados do IBGE de 2020 mostram uma evolução positiva da economia manauara, que se transformou na quinta cidade mais rica do País, superando nada mais nada menos que Curitiba. A soma total de todos os bens e serviços finais produzidos na capital amazonense, nesse ano, atingiu o montante de R$ 91,7 bilhões, o que representou participação de 1,2% no PIB nacional. A cidade se destaca na produção industrial, o que tem contribuído fortemente para a dinamização de outros setores da economia, como o comércio, a construção civil e a própria administração pública.

As perspectivas econômicas para os próximos anos para a economia de Manaus são extraordinárias, a expensas dos riscos embutidos na reforma tributária em andamento. As oportunidades no campo da Economia Circular, do desenvolvimento do Polo Digital, dos investimentos para compensar o déficit histórico em infraestrutura, estão na ordem do dia, basta levar a sério. Além disso, existe um espaço imenso para desenvolver a indústria da Economia Criativa, aproveitando as riquezas naturais e cultural do Amazonas.

E por si só não bastasse, as atividades de Pesquisa e Desenvolvimento e Inovação (P+D+i) na área da Bioeconomia podem transformar Manaus no centro catalisador de startups dedicadas a desenvolver os produtos do futuro, com base no aproveitamento da diversidade biológica e riquezas naturais do Estado, gerando empregos e produtos valiosos de alto valor agregado.

Chegar a esta condição de destaque ao longo da história não foi um caminho fácil. No entanto, apesar do extraordinário crescimento da economia observado nos últimos anos e das boas perspectivas de futuro, e ainda de que Manaus responda por quase 80% de toda a riqueza produzida no Estado, continuam a existir na cidade grandes desigualdades socioeconômicas.

Constantemente, o IBGE divulga informações sobre as condições sociais de Manaus, sugerindo a existência de um grande fosso social, na medida em que a maior parcela da riqueza produzida é apropriada por um reduzido grupo de privilegiados, causando precariedade social na vida de grande parcela da população. Elevados níveis de pobreza, informalidade laboral, condições inumanas de moradia e saneamento, além dos baixos índices de escolaridade e acesso à saúde, indicam os desafios a serem resolvidos na quinta capital mais rica do país.

Não é aceitável, desde uma perspectiva moral, ética e mesmo econômica, que na cidade um contingente significativo de pessoas esteja vivendo em condição de insegurança alimentar, muitas delas passando literalmente fome e em condições precárias de moradia, sem acesso a saneamento básico e ao transporte público adequado, além de elevados índices de criminalidade e informalidade laboral.

A desigualdade social, econômica e ambiental na cidade de Manaus, apesar do crescimento econômico exponencial, advém, em grande medida, de regras tributárias, trabalhistas e ambientais obsoletas, além da ausência de políticas públicas municipais eficientes que foquem na cidadania de seus habitantes e não em grupos e lobbies econômicos, como os da especulação imobiliária e da coleta de lixo, para citar alguns.

A esperança de construirmos uma Manaus mais justa e sustentável, onde a riqueza socialmente produzida seja melhor distribuída entre seus membros, esforçando-se para colocar no centro das decisões políticas a pessoa humana, abolindo a exclusão social e cuidando das condições do planeta, é o melhor presente de aniversário que a cidade merecia ter.

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(*) Inaldo Seixas Cruz é economista especialista em crescimento e desenvolvimento econômico e economia internacional, além de membro do Conselho Regional de Economia do Amazonas (Corecon-AM).
(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.
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