Governador do Pará firma acordos na China; projetos são alvos de críticas

O governador do Pará, o presidente adjunto da Communications Construction Company (CCCC) e o vice-presidente executivo de Assuntos Corporativos e Institucionais da Vale (Divulgação)
Michel Jorge – Da Revista Cenarium

PARÁ – Compondo a comitiva do presidente Lula em visita à China, na semana passada, para negociação, o governador do Estado do Pará, Helder Barbalho (MDB), firmou acordos para o “progresso” do Estado. Um verdadeiro negócio da China, com mais de 20 acordos firmados e um investimento bilionário.

Em sua primeira parada, o governador do Estado esteve, a convite da empresa BYD, na sede, em Sherzen, para conhecer as iniciativas do grupo na produção de veículos com energia renovável. Nada poderia ser mais favorável, considerando o evidente desejo em que a cidade de Belém seja a sede da COP30, onde serão discutidas propostas como esta para utilização de novas fontes de energia renovável e menos degradante.

A fabricante de veículos pode trazer recursos essenciais para a capital de Belém que sofre, atualmente, com o sucateamento do transporte público. Assim como afirmou Hélder: “É algo fundamental para a nossa realidade. A construção para preparar Belém para a COP30, mostrando ser possível o uso de energia limpa na agenda da sustentabilidade e, claro, olhando para a população, que precisa de um transporte público de qualidade”.

PUBLICIDADE

Não é a primeira vez que a privatização de um serviço surge como solução para a ineficiência do Estado em cumprir suas obrigações. No entanto, pensar um território como o Estado do Pará, que sofre pela exploração de grandes empresas, a exemplo da contaminação causada pela norueguesa Hydro, em regiões de Barcarena, é necessário. Os esforços para reduzir danos e poupar vidas é urgente e deve começar dentro do território.

Leia também: Com 36 votos a favor e dois contra, esposa do governador do Pará é eleita para TCE-PA

Contradição

No dia seguinte, a agenda de reuniões do governador do Estado, com os representantes chineses, continuou. Dessa vez, com uma das maiores construtoras da China, a China Communications Construction Company (CCCC), com a qual ficou firmado o projeto de construção da Ferrovia Paraense S.A e está prevista para ser um braço da chamada Ferrovia Norte-Sul. A previsão de investimento é de R$ 10 bilhões.

“Esse é um momento muito relevante para o Estado do Pará, onde podemos concretizar um projeto histórico para estrutura logística do nosso Estado.

Assinamos o projeto para a Ferrovia do Pará. Isso representará investimentos ao nosso Estado, como a geração de empregos e desenvolvimento para os municípios que estão localizados ao longo do trajeto da ferrovia”, disse o chefe do Executivo estadual.

Helder Barbalho complementou afirmando que “o projeto faz com que o Pará, integrado à ferrovia Norte-Sul, outras hidrovias e portos, possa ser um Estado mais competitivo para o desenvolvimento da economia voltada à mineração e ao agronegócio, fortalecendo a geração de renda”.

“É um momento histórico para construir a viabilização e transformar o projeto em realidade para gerar oportunidades ao Pará”, finalizou.

Na contramão da sustentabilidade, o projeto da Ferrovia prevê interligar Vila do Conde, em Barcarena, até a região dos Carajás. Segundo o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto, serão 1.319 quilômetros de extensão, cortando 23 municípios, desde Santana do Araguaia, sudeste do Estado, até Barcarena, na região do nordeste paraense. O projeto mal saiu do papel e já promete atravessar territórios de comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas.

A ferrovia cortará 23 municípios, no Estado, e visa atender interesses do setor do agronegócio e mineração. Lideranças de comunidades quilombolas e representantes de entidades da sociedade civil afirmam que o governo do Estado está violando a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ao não realizar a consulta livre, prévia e informada sobre o projeto de construção da Ferrovia Paraense.

Sem consulta

Para o advogado da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama), Ismael Moraes, associação que ajuizou cinco ações civis públicas e coletivas, na Justiça do Brasil, e uma ação na Justiça da Holanda, pressionando o governo do Estado e o grupo Hydro a reduzir a contaminação ambiental a partir das suas minas e indústrias, o projeto para construção da ferrovia não foge à regra de outros projetos implantados na Amazônia.

“Não há consulta prévia à sociedade como um todo e não há estudos prévios que garantam as relações sociais, as estabilidades dessas relações, e que façam, pelo menos, remedir graves problemas ambientais, então, é preocupante a instalação deste projeto sem que a sociedade tenha conhecimento do traçado desse projeto, porque isso deveria ser de conhecimento público, ao invés de estar mantido nesse sigilo absoluto, pois, quem vai ser afetado deve saber em que dimensão será afetado”, disse Moraes.

“Eu vejo como algo extremamente preocupante e sei que, a partir disso, irão existir efeitos desastrosos não só para a sociedade, mas também para o setor produtivo, porque, na verdade, esses projetos visam somente atender os interesses dos financiadores internacionais, com total indiferença aos efeitos locais”, concluiu.

Segundo o pesquisador e especialista em Direitos Socioambientais, que vem atuando no caso da Ferrovia do Pará, mestre Johny F. Giffoni, já existem ações judiciais questionando a forma como o Estado está se relacionando com as comunidades tradicionais. No ano de 2018, o Tribunal de Contas do Estado do Pará determinou que o Estado, antes de qualquer ato referente à ferrovia, realizasse o processo administrativo especial de consulta e consentimento com os povos indígenas, quilombolas e tradicionais que serão afetados.

“O que está acontecendo, hoje, é que o direito ao acesso de informações dessas comunidades não foi respeitado. Todos os estudos dizem que as comunidades quilombolas e indígenas, que são as únicas consideradas pelas secretarias como populações tradicionais, não são afetadas, mas quando a gente vai olhar o traçado inicial há terras indígenas que estão na zona de impacto”, argumenta o especialista.

Desrespeito

A falta de informação sobre as áreas onde seria construída a ferrovia é um dos pontos da ação movida pela defensoria, a pedido da sociedade civil e comunidades tradicionais, que solicita à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia (Sedeme) os arquivos de GPS e coordenadas geográficas das áreas onde estão localizadas comunidades tradicionais, assentamentos rurais e unidades de conservação.

Dona Maria Socorro Costa da Silva, liderança quilombola conhecida como Socorro do Burajuba, em Barcarena, município que poderá ser afetado com a ferrovia, manifestou preocupação com os possíveis impactos do projeto.

“Nós, quilombolas de Barcarena, ainda não fomos ouvidos. Isso é uma política devastadora e ainda querem trazer eventos, sobre meio ambiente, como se fossem defensores da Amazônia. Ao longo dos anos, negocia a população como se fôssemos mercadoria barata. Os povos da floresta são trabalhadores, merecemos respeito”, disse dona Maria.

”Estão tirando tudo o que é nosso a custo desse lucro. Para quem é boa essa ferrovia? Chega. Queremos respeito. Não temos mais rio, nossos rios estão mortos, nossos sangues estão cheios de veneno e chamam isso de progresso. Progresso para quem?”, disse.

A ex-deputada Marinor Brito (PSOL), em vários de seus pronunciamentos como titular da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa), alertou, por diversas vezes, o governo do Estado sobre a importância da criação de um canal, com a sociedade civil, na perspectiva de identificar os problemas graves e urgentes para um diagnóstico dos efeitos da destruição e impactos sociais surgidos com as grandes obras.

“A consulta prévia aos povos tradicionais é pré-requisito para início do licenciamento de projetos de impacto às comunidades tradicionais, para não acontecer como no Abacatal, em Ananindeua, que sofreu com o licenciamento da empresa Equatorial que se instalou a menos de 2 quilômetros do território, sem consulta prévia. disse Marinor em um de seus pronunciamentos.

Segundo a ex-parlamentar, a consulta prévia, livre e informada é um direito garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e deve ser cumprido para garantir que as comunidades afetadas pelas ações de grandes empreendimentos tenham suas vozes ouvidas e sua dignidade e modo de vida assegurados.

O projeto da ferrovia se assemelha a outros tão destrutivos quanto, a exemplo da Hidrelétrica de Tucuruí, Belo Monte e diversos desastres da Mineração do Estado. O desenvolvimento pensado aqui serve apenas ao capitalismo e aos seus representantes. As multinacionais seguem progredindo a custo de vidas e culturas mortas.

A memória das famílias afetadas pela ação intensiva de exploração destas grandes empresas não permite vender a perspectiva do progresso. As vidas alagadas pelas hidrelétricas, afetadas pelas barragens, os corpos contaminados pela mineração e as comunidades mortas pelo garimpo cobram para serem ouvidas. Um projeto dessa magnitude atravessa não só o território, mas a vida de dezenas de pessoas que não enxergam o espaço geográfico, apenas uma fonte de recursos.

O que vai ser ”o maior investimento da potência chinesa em outro País” pretende injetar R$ 7 bilhões na construção da ferrovia. No entanto, está claro quais e para quem são os benefícios do empreendimento.

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.