Influenciadoras negras ganham até 2,5 vezes menos em campanhas e são minoria

Blogueira Bia Freire, 18 anos, participou de um curso do Observatório de Favelas (Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo)
Com informações do Infoglobo

RIO – A internet brasileira é um espelho ainda mais nítido da desigualdade racial do País. Das milhares de blogueiras que influenciam e abastecem de sonhos cerca de 140 milhões de usuários de redes sociais, uma minoria é negra, tem menos visibilidade, ganha até 2,5 vezes menos do que brancos faturam em campanhas publicitárias e sofre mais preconceito. Se militam por causas negras, podem ser consideradas engajadas demais ou, se optam por outro tipo de conteúdo, correm risco de serem canceladas por engajamento de menos.

Blogueiras que abriram caminho para outras negras, laboratórios de análises das mídias sociais e ONGs têm apostado em estratégias para que pretas vençam num mundo digital dominado por códigos brancos e não sejam procuradas pelas empresas apenas em novembro, mês da Consciência Negra. O apoio de que precisam fica explícito em números: dos mais de 900 mil perfis de influenciadores cadastrados na plataforma de dados da SamyRoad, empresa de marketing de influência, apenas 20% são de pessoas negras. Mesmo presentes em 56 segmentos diferentes, elas não predominam entre usuários com mais de 5 mil seguidores.

“Não importa o quão embasado e diferenciado seja o seu conteúdo, influenciadoras negras vão ficar atrás, às vezes, de perfis que só postam selfie e “comprinhas”, que se sobressaem simplesmente por serem maioria brancas da Zona Sul. Isso é cansativo, porque sempre somos empurradas para longe, mesmo sendo ótimas”, aponta a influenciadora digital Cecília Boechat.

PUBLICIDADE

Carioca, Cecília se profissionalizou na área há dois anos e hoje soma mais de 17 mil seguidores em seu perfil no Instagram. Para conseguir tirar sua principal fonte de renda da internet, a partir de conteúdos sobre estilo de vida, movimento negro e visibilidade LGBTQIA+, precisou vencer três obstáculos: conquistar um público que curte seu estilo de postagem e sua imagem; ser vista por marcas dispostas a pagá-la pela divulgação de produtos e serviços; e lutar contra o sentimento de insuficiência fruto do racismo estrutural.

“Produzimos conteúdos para agradar nosso público e sermos notadas por marcas, que às vezes só querem nossa imagem, mas não nos remuneram. Para além de sermos convidados para falar de racismo, queremos falar da negritude, porque a consciência negra é também para exaltar nossos talentos”, prega ela que, embora se posicione por causas negras, gosta de lembrar que isso é uma liberdade, não uma obrigação.

“Se eu só falar de racismo não sobra espaço para tratar do meu conteúdo que é sexualidade, viagem, moda, estilo, relacionamento. É muito difícil encontrar esse equilíbrio enquanto influenciadora negra. Mas o sonho de produzir conteúdo e receber pelo meu trabalho também é um ato político e uma forma de ajudar outras mulheres”.

A desvalorização no mercado ficou exposta em pesquisa feita no Brasil pela Black Influence, Site Mundo Negro, YOUPIX, Squid e Sharp, que ouviu cerca de 760 criadores de conteúdo, entre brancos, pardos, pretos, amarelos e indígenas. Os resultados mostram que os influenciadores pretos são menos contratados para campanhas de publicidade. Entre os entrevistados, 53% já tinham feito alguma campanha, porém, a proporção era 17% menor do que a da média geral das respostas. Os influenciadores brancos recebem, em média, mais do que todas as raças : algo como R$ 564 por ação publicitária nas redes. Os pretos recebem, em média, R$ 496. Os pardos, ainda menos: R$ 459.

Os criadores de conteúdo brancos ganharam em média valor mínimo por campanha foi de R$ 261,10 e a média do valor máximo de R$ 4.181,01 — estes valores de teto representam 2,5 vezes mais do que o recebido por negros. Para eles, os valores mínimos médios ficaram em R$ 235,97 e os máximos em R$ 1.626,83. Os pardos retiraram, em média, o valor mínimo de R$ 203,84 e máximo de R$ 2.384,16.

‘Empregada intelectual’

Sem pretensão de monetizar sua presença nas redes sociais, a influenciadora e assistente social Carla Akotirene usa seus posts para difundir o pensamento afrocêntrico e o feminismo negro. Mesmo assim, ao publicar uma foto sua na praia, perdeu dois mil seguidores de uma só vez.

Algumas seguidoras, inclusive brancas, consideraram que, ao mostrar a marquinha do biquíni, Carla “fortalecia o patriarcado”. Atualmente, o público dela é formado 78% por mulheres e 22% por homens.

“Quanto mais a pauta for branca, mais relevante para o algoritmo, que entende a beleza (branca) como universal. E eu sou o oposto, tenho a pele preta e posto sobre pretos”, pontua. “Perco seguidores se posto foto bonita, porque a imagem da mulher negra está vinculada à cozinha. Apesar de entregar conteúdo, sou vista como a empregada intelectual que só tem direito de produzir de graça”, queixa-se Carla, com mais de 140 mil seguidores no Instagram.

Para contornar as adversidades algorítmicas, Bia Freire, de 18 anos, moradora da Zona Norte do Rio de Janeiro, contou com apoio de um curso do Observatório de Favelas em agosto e setembro com aulas sobre design e mídias sociais, além de debates sobre como aguçar o olhar crítico e contar histórias que engajem. Em suas páginas, Bia revela um pouco do seu dia a dia. Ela acredita que hoje há mais influenciadoras negras, porém, com menos oportunidades de crescimento.

“Vejo várias mulheres brancas blogueiras com mais de 1 milhão de seguidores em suas redes. Agora, mulheres pretas com mais de 1 milhão são poucas. As diferenças de oportunidades são bem gritantes. É bem comum ver mulheres negras para quem as referências de blogueiras e influenciadoras são todas mulheres brancas, porque são as que têm mais seguidores, então fazem mais comerciais, aparecem mais. Infelizmente é a realidade”, conta Bia, que cita como inspirações nas redes a criadora de conteúdo Emannuely Viana, que conta com cerca de 22 mil seguidores no Instagram, e a DJ Afrolai, com cerca de 45 mil.

Outro projeto para impulsionar conteúdos produzidos por mulheres negras e a vocalização de suas vozes é o Blogueiras Negras, criado em 2012. O portal nasceu a partir da blogagem coletiva — movimento em que cada uma publicava em seu blog textos de um mesmo tema — e hoje utiliza diferentes ferramentas, como vídeos e podcasts.

“Nossa missão é inspirar as mulheres negras a contarem suas histórias, para que entendam que podem falar sobre o que desejarem, conquistar o espaço que elas quiserem. Sabemos e sentimos que as redes sociais, as plataformas, têm desprivilegiado nossos conteúdos. Ainda somos vistas como exceção, uma pequena parte. Mas entendemos que para nossa comunidade é importante permanecer nesses espaços. É um trabalho de mão dupla, de resistência e inventividade”, afirma Larissa Santiago, coordenadora da página Blogueiras Negras.

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.