Nos EUA, Estados tentam vetar crianças trans em esportes femininos

Uma pessoa segura bandeira do movimento trans (Brendan McDermid/Reuters/Arquivo)
Com informações do UOL

MANAUS – Há três anos eu conheci a história de Maria Joaquina. Na época, ela era uma menina de 11 anos, vice-campeã brasileira de patinação artística, que esperava ser convocada para representar o Brasil no Campeonato Sul-Americano da modalidade. Não foi. O argumento da confederação era que ela não poderia competir porque, em seu documento, ainda constava identificação masculina. Maria Joaquina é uma menina trans.

Os pais foram à luta pelos direitos da filha. Queriam que, além de poder participar do campeonato na modalidade feminina, ela fosse chamada pelo nome social, recebesse o mesmo uniforme que as outras meninas e fosse liberada para usar vestiários adequados. São muitos os obstáculos que as pessoas trans ainda precisam superar.

A patinadora Maria Joaquina, 14 anos (Reprodução/Instagram)

Mariana Joaquina chorou muitas vezes, mas nunca se abalou nem desistiu de sonhar. Ainda hoje, aos 14 anos, segue patinando e conquistando reconhecimento, admiração e carinho por onde passa.

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Na contramão desse movimento, vem surgindo nos Estados Unidos uma onda de projetos de lei que tentam limitar os direitos LGBTQIA+. De acordo com a NBC News, foram 238 propostas de 1º de janeiro a 15 de março —ou mais de três por dia. Entre elas estão as que tentam proibir crianças transgênero de disputar esportes femininos em times escolares do ensino fundamental e do médio.

O governador de Kentucky, Andy Beshear, vetou na última quarta-feira uma proposta dessas em seu estado. Na decisão, Beshear argumentou que ela discriminava as crianças trans e violava a proteção equalitária a todas, garantida pela constituição dos Estados Unidos.

Há dezenas de Estados norte-americanos replicando a proposta —a maioria dos locais onde ela já foi aprovada é de ideologia conservadora, com governo e Câmara Republicanos. Em alguns, como no Texas, a participação de crianças trans em modalidades esportivas só é possível de acordo com seu sexo de nascimento, a não ser que tenha havido a mudança oficial de gênero na certidão de nascimento —o que é bastante raro ocorrer durante a infância. A proposta de Minnesota sugeria penalidades criminais a quem descumprisse a lei, mas não foi aprovada.

Um dos assuntos mais polêmicos do esporte, a participação de pessoas transgênero ainda é vista como um grande tabu —especialmente nas modalidades femininas, às quais essas propostas de lei americanas se referem. O argumento de quem é contra a disputa entre mulheres cis e trans na mesma modalidade esportiva é que os hormônios de alguém que nasceu com o sexo biológico masculino podem dar a essa pessoa vantagens físicas quando comparada a quem nasceu com sexo biológico feminino.

Embora haja ainda poucas pesquisas a respeito, é sabido também que, quanto mais cedo as crianças começam a terapia hormonal, visando a transição de gênero, menos elas desenvolvem características de seu sexo biológico.

O Comitê Olímpico Internacional (COI) divulgou no ano passado novas diretrizes para a participação de atletas trans nas Olimpíadas. O chamado “Guia do COI sobre Justiça, Inclusão e Não Discriminação com Base na Identidade de Gênero e Variações de Sexo” possui dez princípios básicos, entre eles inclusão, prevenção de danos, não presunção de vantagem e primazia da saúde e autonomia.

Em 2015, o comitê havia estipulado que homens trans poderiam competir sem restrições nas categorias masculinas, e mulheres trans precisariam se submeter a pré-condições nas categorias femininas. A principal norma era que a atleta reduzisse seu nível de testosterona a 10 nmol/L por pelo menos 12 meses antes de começar a competir e o mantivesse nesse patamar para seguir em atividade.

Agora, não há mais nível de testosterona definido, e cada federação tem autonomia para decidir suas regras.

“O guia está rompendo com a noção de que existe um único limite de testosterona -seja 10 nmol, 5 nmol ou qualquer outro- que determina a vantagem competitiva em todos os esportes. Nosso processo nos ajudou a perceber que não há consenso científico sobre como a testosterona afeta o desempenho atlético. E há uma razão muito simples para isso: bom desempenho significa coisas muito diferentes em diferentes esportes. E os níveis de testosterona endógena afetam diferentes corpos de várias maneiras”, afirmou o comitê à Folha de S.Paulo.

A onda de tentativas de excluir crianças e adolescentes trans dos esportes escolares vem deixando ONGs de proteção a direitos humanos e LGBTQIA+ em alerta. “Estamos vendo que esses projetos têm gerado reais consequências para os jovens trans e suas famílias, por causa da mensagem que mandam”, afirmou Jessica Shortall ao New York Times. Ela é diretora de um grupo chamado Freedom for All Americans, que trabalha contra a discriminação a pessoas LGBTQIA+.

E essas consequências são reais e bastante dolorosas. Se já é difícil não ser aceito no dia a dia, na convivência em sociedade e agora até na hora de praticar esportes, imagine então ser criminalizado por ser apenas quem é.

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