PF investiga sequestro de grupo, com indígenas Suruí, por grileiros em Rondônia

Na foto, as ativistas Txai Suruí e Neidinha Suruí, o grafiteiro ativista Mundano e o jornalista inglês Heydon Prowse, que foram mantidos reféns em Terra Indígena de Rondônia (Thiago Alencar/Revista Cenarium)
Iury Lima – Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) – A ativista indígena Txai Suruí, a mãe dela, a indigenista Ivaneide Bandeira Cardozo, conhecida como Neidinha Suruí, e o artista, grafiteiro e ativista Mudando, sofreram uma emboscada de invasores da Terra Indígena (TI) Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia. O jornalista inglês Heydon Prowse e uma equipe de documentaristas os acompanhavam na região. 

Outros cinco indígenas estavam com as ativistas. Vídeos mostram todos sendo cercados por um grupo de, aproximadamente, sete pessoas, em uma área conhecida como PAD Burareiro, que está sob litígio, dentro da terra indígena. A intimidação durou 4 horas. Ao todo, eram cerca de 50 homens. A Polícia Federal (PF) investiga o crime – sob sigilo – ocorrido no domingo, 14, e disse que vai adotar medidas judiciárias cabíveis.

Parte dos invasores que cercaram ativistas e lideranças indígenas na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia (Reprodução/Redes Sociais)

O ataque

Invasores não identificados emboscaram Txai e Neidinha em uma estrada que dá acesso ao posto de vigilância da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Ambas estavam a caminho de um trabalho que o artista Mundano faria na reserva, em apoio à luta dos indígenas Uru-Eu-Wau-Wau. Os documentaristas iriam registrar a atividade.

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O advogado da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Ramires Andrade, conta os momentos de terror. [As vítimas] Tentaram retornar, porém, ao mesmo tempo que interceptaram o comboio pela frente. Outros invasores já saíram do mato e fecharam também por trás, impossibilitando o retorno”, afirmou Andrade, ressaltando que homens estavam armados.

Leia também: Justiça federal determina criação de plano para proteção da TI Uru-Eu-Wau-Wau em até 90 dias
Vídeo em que as ativistas Txai e Neidinha Suruí negociam liberação do cárcere privado (Reprodução/Redes Sociais)

Embates e negociações

Em um dos vídeos divulgados nas redes sociais, Txai aparece conversando com um dos homens que a cerca. Apontado como invasor, ele diz que o grupo recebeu direitos sobre a terra, há 42 anos, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e que, por isso, se sente oprimido pelos indígenas. 

“Como eles estão me gravando, eu me vejo no direito de gravar cada um que está aqui dentro”, começou a gravar a ambientalista Neidinha Suruí. “Eu estou explicando a eles a área de litígio. Não estou invadindo, porque isso aqui é uma TI, e se chama Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau. Estou com os donos da área, que me chamaram para vir aqui”, disse ainda durante o vídeo.

O grupo que levou o caso à Funai e ao Ministério dos Povos Indígenas, negociou por duas vezes a liberação dos reféns. Os homens libertaram, inicialmente, um primeiro grupo que estava passando mal. Depois, os invasores só aceitaram a saída de Txai e Neidinha porque a ativista afirmou que iria denunciá-los por cárcere privado à PF.

A ativista social, ambientalista e indigenista Neidinha Suruí, coordenadora da Associação Kanindé (Reprodução/Kanindé)

Denúncia

Ramires Andrade contou à CENARIUM que acompanhou Neidinha Suruí a uma delegacia da PF, em Porto Velho, e garantiu que vai acompanhar, pessoalmente, todos os desdobramentos desse caso. “A Polícia Federal deve instaurar inquérito policial para apurar os crimes cometidos contra Neidinha, Txai, os indígenas e os demais membros da equipe“, detalhou.

O advogado especialista em Direito Ambiental e Indígena e coordenador jurídico da Kanindé, Ramires Andrade (Reprodução/Acervo Pessoal)

Histórico de devastação

Considerada uma das TIs mais impactadas pelo desmatamento, em todo o País, a Terra Indígena (TI) Uru-Eu-Wau-Wau também é uma das mais pressionadas por grileiros. São quase 2 milhões de hectares. Já o povo, é sinônimo de resistência: são menos de 200 habitantes. 

Leia também: Documentário que retrata a luta dos Uru-Eu-Wau-Wau ‘leva’ dois prêmios em festival internacional de cinema

Exemplo emblemático da luta dessas comunidades é o assassinato do ativista e líder indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau, morto em abril de 2020, por denunciar a exploração ilegal de madeira na região. Naquele ano, o território ocupava a oitava posição entre as TIs mais desmatadas. Além disso, Txai Suruí já denuinciou criação ilegal de gado dentro da reserva.

“A situação expõe o alto nível de risco e a gravidade do conflito instalado na TI, o que requer uma ação enérgica do governo federal para se restabelecer a segurança na região e garantir a integridade do território, dos povos indígenas, dos ativistas e das equipes da Kanindé, que trabalha na assistência ao povo Uru-Eu-Wau-Wau há mais de 30 anos”, afirmou Ramires Andrade à CENARIUM.

Registro de área incendiada no interior da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em 2016 (Reprodução/Kanindé)

O advogado está em Brasília para tratar do assunto, junto ao Ministério dos Povos Indígenas, Funai e Ministério da Justiça e Segurança Pública. “É um conflito que já se arrasta por quase 50 anos, e não abriremos mão dessa solução, pela garantia do direito originário dos indígenas sobre o território, que é regularmente demarcado e homologado. Não existe solução possível com a permanência dos invasores no território indígena”, finalizou Ramires Andrade.

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