No AM, despejo de resíduos polui lago e transforma solo em ‘papelão’

Resíduos de papel na água se solidificaram no solo. (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)
Marcela Leiros — Da Revista Cenarium

MANAUS — No Lago do Aleixo, na zona Leste de Manaus, uma cena assusta devido à poluição. Onde antes havia água, agora está seco pela vazante, a superfície do solo, que deveria ser de terra, virou algo parecido com papelão. A reportagem da REVISTA CENARIUM constatou que a região ao fundo da empresa Sovel da Amazônia Ltda. se transformou em placas sólidas, que a indústria de papel tem ateado fogo no material.

O despejo da empresa no Lago do Aleixo já foi alvo de ações judiciais. Conforme o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), a última ação relacionada à empresa foi o embargo da atividade de reciclagem de papel/papelão, no dia 5 de outubro deste ano, “em função do não cumprimento da Legislação ambiental vigente“. Na notificação de embargo, foi solicitado da referida empresa a implementação de um sistema de tratamento de efluentes industriais.

Em abril do ano passado, a REVISTA CENARIUM já havia mostrado que o rio, quando cheio, tinha sua superfície tomada por resíduos de papel. À época, comunitários — que pediram para não ser identificados por temerem represália — afirmaram que há muito tempo os peixes se afastaram do local devido à poluição. Desta vez, com o período de seca dos rios, que acontece anualmente entre junho e novembro, os resíduos da água solidificaram o solo.

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A reportagem encontrou funcionários uniformizados da empresa acumulando os resíduos tóxicos e promovendo a queimada nas proximidades do lago. A CENARIUM tentou contato com a empresa, por meio dos telefones disponibilizados no site e nas redes sociais, assim como e-mails, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.

Funcionários da Sovel promovendo a queimada dos resíduos nas proximidades do Lago do Aleixo. (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

Resíduos solidificados

O geólogo Rafael Riker explica que o material parecido com papel pode ser resultado de um processo semelhante ao que acontece com evaporitos, um tipo de rocha que se origina da evaporação da água, mas que, no Lago do Aleixo, acontece com a poluição do curso d’água. Conforme a água vai evaporando, esses íons, como cloretos, sulfatos, cálcio e sódio em dissolução, ficam cada vez mais concentrados até que começam a precipitar e formarem partículas sólidas.

Esse ‘solo de papel‘ pode ser produto da precipitação de íons dissolvidos provenientes do lançamento de efluentes da fábrica”, detalha ele. “Conforme a água do lago evaporou, esses íons precipitaram na forma desse material parecido com papel. Ou pode ser também que esse material nunca tenha se dissolvido na água e ficado sempre em forma de partícula sólida e se depositado no fundo do lago“.

Leia também: Ipaam rebate alegação da Sovel e confirma que foram constatados crimes ambientais no Lago do Oscar

Poluição no Lago do Aleixo, em Manaus, em abril de 2021. (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

Morte de igarapés

O ambientalista e ativista Jó Fernandes Farah, presidente da ONG “Mata Viva”, que atua pela preservação dos últimos fragmentos de florestas e igarapés da Área de Preservação Permanente (APA) Tarumã, em Manaus, pontua que a cidade “mata” igarapés, devido ao seu crescimento desordenado. Para ele, falta interesse e iniciativa do poder público para preservar.

(Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Manaus mata igarapés desde o ‘porto de lenha‘”, acredita o ambientalista. “O crescimento da cidade nunca foi planejado e todas as intervenções do poder público foram no sentido de mitigar os danos, quando a política correta seria proteger, preservar e manter. Desta forma, sem planejamento algum, a cidade foi inchando horizontalmente e hoje consumiu 90% dos fragmentos florestais que abrigam e protegem igarapés, lagos e nascentes urbanos“, defende.

Resíduos causam poluição do Lago do Aleixo. Imagem de abril de 2021. (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

Falta providências

A REVISTA CENARIUM também questionou o Ministério Público Federal (MPF) sobre as medidas tomadas contra a empresa Sovel que, desde 2007, é alvo de ação no órgão pelo derramamento de resíduos tóxicos no lago. A procuradoria afirmou que, em 9 de maio deste ano, foi proferida decisão suspendendo o processo por 90 dias para que a empresa comprovasse, por meio de documentos, o efetivo cumprimento de obrigações impostas pela Justiça.

O prazo de 90 dias terminou em julho deste ano sem que a empresa apresentasse qualquer comprovação do cumprimento da sentença, de acordo com o MPF. A ação de cumprimento de sentença nº 1006171-56.2021.4.01.3200 segue tramitando na 7ª Vara Federal do Amazonas, disse o órgão.

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