Representatividade: umbanda resiste a preconceitos em favor da tradição e liberdade religiosa

Zeladora da umbanda usa guias - colares no pescoço - e carrega um adjá - instrumento (Reprodução/Agência Tambor)
Adrisa De Góes – Da Revista Cenarium Amazônia 

MANAUS (AM) – Fé, cura, tradição e conexão do mundo material com o plano espiritual são alguns dos caminhos que atraem as pessoas para a umbanda, religião de matriz africana originada no Brasil há 115 anos. Nesta quarta-feira, 15, é celebrado o Dia da Umbanda, doutrina fundada em Niterói, no Rio de Janeiro, e que ganhou adeptos por todo o País.

No Amazonas, o Terreiro Santo Espírito Nossa Senhora da Conceição, no bairro Zumbi dos Palmares, Zona Leste de Manaus, se tornou um espaço de fortalecimento de crenças e liberdade religiosa, compartilhado entre crianças, jovens, adultos e idosos, filhos de Mãe Maria do Jacaúna.

“A umbanda é de família. Era [da umbanda] a minha avó, o meu avô, mas eles só faziam os remédios. Eu me encontrei [na religião] com um velho guerreiro, meu zelador de santo, João do Sibamba. Aprendi muita coisa boa com ele. Meus pais não tinham muita fé, não gostavam de terreiro”, disse a mãe de santo que iniciou a doutrina aos nove anos.

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Filhos de Mãe Maria do Jacaúna, do Terreiro Santo Espírito Nossa Senhora da Conceição (Alan Geissler/Revista Cenarium Amazônia)

O terreiro da Mãe Maria tem como principal entidade o Caboclo Jacaúna, um indígena que a acompanha e a auxilia nos ritos de cura, benzimentos e banhos. A entidade, segundo a mãe de santo, quando habitou o plano material, viveu em Boa Vista, no Estado de Roraima, e pertenceu aos primeiros povos Macuxi. 

“Jacaúna é um índio. Ele me ensina a fazer os banhos, as ervas, uma tradição antiga. Poucos conhecem ele. Ele é meu tudo. Meu trabalhador, também é conselheiro, o pai que eu não tenho mais. O meu grande crescimento foi por meio dele, chamado Jacaúna”, conta a mãe de santo. 

‘Salve a malandragem!’

Outra entidade que “baixa” – no jargão da umbanda – no terreiro da Mãe Maria é o “malandro” Zé Pelintra, também conhecido como Seu Zé. No centro espiritual, ele é a figura que auxilia a medium Graciete Arruda, que também recebe a entidade Cabocla Braba, ou Dona Braba. 

“Minha trajetória de vida é um exemplo de evolução espiritual. Tive acompanhamento do Seu Zé Pelintra, que é um trabalhador da casa da Mãe Maria e que me acompanha como pai e como trabalhador, além da minha trabalhadora, a Cabocla Braba, que é uma mãe para mim. Eu tenho eles dois como exemplo de pai e mãe”, ressalta Graciete.

Chapéu de palha, lenço vermelho e cachimbo são objetos que representam a entidade Zé Pelintra (Divulgação)

A umbanda consiste no sincretismo religioso que incorpora elementos que unem o catolicismo, ao exaltar santos da igreja católica como São Jorge e São Sebastião, e ao espiritismo, quando acredita na evolução do espírito humano em outras vidas. Além disso, a doutrina dessa religião também faz referência a rituais indígenas e ao saber popular. 

Chamado e missão

A imersão na umbanda pode começar por um caminho de resistência e negação ao chamado das entidades espirituais. Antes de serem adeptas à religião, algumas pessoas passam por outras doutrinas. É o que aconteceu com o Pai Ronald Aguiar, pai de santo da Casa de Umbanda Estrela da Manhã, localizada no bairro Alvorada, Zona Centro-Oeste da capital amazonense.

“No começo eu fugi, não queria saber. Ia para a igreja católica, ia para a missa, sou crismado. Não queria saber da religião umbanda, chamada de ‘macumba’ no ditado popular. Hoje, quando eu digo que sou umbandista, sou candomblecista, tenho muito orgulho disso”, afirma o pai de santo.

Pai Ronald Aguiar (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

Para o ogã – aquele que se dedica ao toque e canto nos dias de gira – culto da umbanda – do centro espiritual, o servidor público Célio Sales, as pessoas recebem um chamado para iniciar na religião afro-brasileira, a fim de contribuir com outros adeptos que precisam de luz e direcionamento por meio da crença.

“Eu acho que todo mundo tem um chamado nessa vida. Então, a gente ajuda pessoas que precisam de uma luz para caminhar. É um elo de fraternidade, de humildade. Nesse meio, acima de tudo, está a ajuda às pessoas que precisam de direção”, destaca Célio.

Cabocla Mariana é uma das entidades da umbanda (Alan Geissler/Revista Cenarium Amazônia)

A caminhada para a evolução espiritual é feita nas mais variadas religiões e se torna um caminho de aprendizado para quem busca o autoconhecimento. Há praticantes da umbanda que têm histórico nas igrejas católica e evangélicas, dentre outras doutrinas espirituais. 

“Eu aprendi a me conhecer melhor, a estar mais ligada com o sagrado, com aquilo que eu vejo que realmente é bom para mim”, diz a auditora Naiza Alencar. “Já fui em muita igreja, mas aqui eu me encontrei mais”, afirma o analista de logística Salomão Abtibol. 

Intolerância cresce

Divulgado no início deste ano, o 2° Relatório sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe apontou o aumento dos casos de intolerância religiosa no território brasileiro. A publicação é organizada pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas e pelo Observatório das Liberdades Religiosas.

Os dados do levantamento indicaram que as religiões oriundas de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, são as mais atingidas por crimes dessa natureza. Ainda que estejam em maior número quando o assunto é ataque e intolerância, ambas são minoria religiosa num País de maioria cristã.

Terreiro de umbanda vandalizado, na cidade de Recife, em episódio de intolerância religiosa (Reprodução/Arquivo Pessoal)

O estudo mostrou que, em 2020, foram notificados 86 casos de intolerância religiosa contra religiões de matriz africana. Em 2021, este número aumentou para 244 casos notificados. O valor representa alta de 270% e corresponde a ocorrências que envolvem ameaça, agressão, vandalização de templos, entre outros. 

“Cabe destacar que o grande quantitativo de denúncias de intolerância religiosa é classificado como não definido, sendo registrados 103 casos no ano de 2020 e 234 no ano de 2021. Essa categoria de dados não esclarece a qual crença religiosa pertence a vítima, limitando a interpretação dos dados”, afirma o estudo.

Leia mais: Religiões de matriz africana marcham para Exu em Manaus pela desmistificação do orixá
Editado por Jefferson Ramos
Revisado por Adriana Gonzaga
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