Vereador de Manaus quer desmatar área que preserva saium-de-coleira; moradores são contra

Vereador Diego Afonso é autor do Projeto de Lei Nº 582/2021, que ameaça a espécie sauim-de-coleira (Montagem: Thiago Alencar/Revista Cenarium)
Adrisa De Góes – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Com 759 hectares, a Área de Proteção Ambiental (APA) Floresta Manaós teve a supressão aprovada pela Câmara Municipal de Manaus (CMM) no último dia 21, por meio do Projeto de Lei (PL) Nº 582/2021, que trata da nova demarcação geográfica da área. Localizada na Zona Leste, essa região é um importante santuário para a preservação do sauim-de-coleira (Saguinus bicolor), espécie em risco de extinção.

Um trecho da área a ser suprimida será reservado para a construção de um posto de combustíveis da empresa IBK Comércio e Serviços LTDA. O projeto, de autoria do vereador Diego Afonso (União Brasil), empresário ligado ao setor de combustíveis, aguarda a sanção do prefeito David Almeida, o que deve ocorrer nos próximos dez dias.

Com a efetivação da lei em vista, moradores próximos à APA Manaós, localizada na Alameda Cosme Ferreira, no Conjunto Acariquara, bairro Coroado, Zona Leste, e ativistas da causa ambiental temem pela manutenção da espécie, considerada símbolo da capital amazonense e que integra a lista de animais ameaçados de extinção no País.

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Sauim-de-coleira (Marcelo Gordo/Acervo Pessoal)

Para o ambientalista, bacharel em Biologia, mestre em Ciências Ambientais e Florestais e especialista em Manejo de Animais Silvestres, Maurício Noronha, morador da localidade, a aprovação do projeto vai ao encontro do bem-estar e preservação dos animais, que vivem em fragmentos de áreas verdes que ainda resistem na capital.

“Parece que nossos representantes não são favoráveis aos esforços de garantir uma qualidade de vida oferecida pelas áreas verdes, parece que não entendem. Parece que perdura nas mentes deles que as áreas verdes são recursos naturais inesgotáveis, isso segue a lógica do crescimento econômico sem entender os impactos ambientais“, afirma o especialista.

Consulta Pública

Após reportagem da REVISTA CENARIUM, denunciando que as tentativas de construir um posto de combustíveis na localidade ocorrem desde 2018, moradores do Conjunto Acariquara, Lagoa do Japiim e Eliza Miranda marcaram reunião para esta terça-feira, 27, no auditório do Parque do Mindu, para elaboração de documento e abaixo-assinado contra a construção do posto de gasolina na Área de Proteção Ambiental do Manaós, conforme apurado pela reportagem.

“A construção de posto de gasolina em área residencial e em Área de Proteção Ambiental (APA), protegida por lei, é ilegal, imoral, periculosa e impactará negativamente a qualidade de vida dos moradores e da vida silvestre e representa grande risco de contaminação dos lençóis freáticos e do lago do Conjunto Acariquara e da Reserva da Ufam”, diz comunicado dos moradores.

Comunicado chamando para elaboração de documento contra construção de posto de combustíveis (Reprodução)

O objetivo é de que a manifestação por parte dos moradores resulte no veto do projeto de lei. “Os técnicos da Semmas que são contrários a alteração da Unidade de Conservação não foram ouvidos, o Conselho da APA foi dissolvido e a APA não tem plano de gestão ainda. Ou seja, a proteção das florestas e do lago do Conjunto Acariquara e da Ufam está nas mãos dos moradores e da sociedade civil”, ressaltam.

Moradores rejeitam construção

No documento protocolado pelo vereador Diego Afonso constam as assinaturas de oito moradores do conjunto, dos quais sete deles são favoráveis à construção do posto. Para Noronha, esse abaixo-assinado não representa as mais de 100 famílias que vivem no Acariquara.

Campus da Ufam, localizado dentro da APA Manaós, é templo do sauim-de-coleira (Divulgação/Ufam)

“Não houve consulta aos moradores. Ele não esteve aqui, e não há estudo de impacto ambiental. Em 2018, protocolamos um abaixo-assinado com a assinatura da maioria dos moradores daqui, que foi encaminhado para a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas), justamente contra a construção desse posto”, afirma o ambientalista.

A APA Manaós recebe tentativas de destruição ambiental e a tentativa de construção do empreendimento acontece desde 2018, segundo a bióloga, mestre em Ecologia, especialista em Manejo de Animais Silvestres e Educação Ambiental, Dayse Campista, que também é moradora do conjunto Acariquara. “Existe uma tentativa de ocupar essa área verde de qualquer forma”, ressaltou.

Abrigo para animais em extinção

Para o biólogo, formado pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal), mestre e doutor em Biologia (ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Lucas Ferrante, a invasão dessa área de preservação é preocupante.

O biólogo, formado pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal), mestre e doutor em Biologia (ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Lucas Ferrante (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

“Para você afetar uma área de vida de uma espécie ameaçada você precisa ter autorização de órgãos ambientais. Além disso, estamos falando de legislar em causa própria. O vereador está ferindo o próprio mandato, isso não tem valor nenhum como lei para Manaus, ele deveria perder o mandado. Além disso, existe um conluio de quem vota a favor desse projeto“, afirma.

Segundo ele, a justificativa dada no documento é incabível. “Ele usa uma justificativa esdrúxula para se autobeneficiar, isso vai contra, inclusive, aos princípios que um vereador deveria seguir. A desculpa que Manaus cresceu desordenada como desculpa para construir um posto não cabe. Primeiro, que a região já tem muitos postos e não precisaria de mais um. Depois, porque qualquer área de floresta é muito importante para a qualidade de vida das pessoas daquela região”, avalia.

Sem repostas

Com o prazo para sancionar o PL chegando ao fim, a REVISTA CENARIUM entrou em contato com a Prefeitura de Manaus, para obter se haverá alguma intervenção por parte do Executivo. A reportagem também procurou a assessoria do vereador Diego Afonso, em busca de um posicionamento quanto à preservação do sauim-de-coleira. Até o fechamento deste material, ambos não responderam.

Leia mais: Tentativa de construir posto de combustíveis em área ambiental ocorre desde 2018; moradores são contra
Leia a íntegra do projeto:
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