Violência contra indígenas: invasões triplicaram na Gestão Bolsonaro, revela Cimi;  Funai ‘desconhece’ dados

Para o Cimi, a consequência da falta de ações do governo federal culminou na expansão da cadeia de crimes ambientais e contra a vida em 226 TIs, em quase todos os estados brasileiros (Apib/Reprodução)
Iury Lima – Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) – Assassinatos, ameaças, violência sexual, racismo e abertura de estradas irregulares. Essas são apenas algumas das categorias de violência sistematizadas contra os Povos Indígenas, que tiveram aumento em 2021, segundo relatório anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Considerado o pior cenário desde 2018, os dados consideram, especialmente, as invasões de territórios de Norte a Sul do Brasil: foram 305 casos, em 22 Estados, frente as 263 ocorrências registradas em 2020; alta de 16%

Uma história que se repete, de acordo com o Cimi. Se por um lado, a violência contra os Povos Originários aumentou pelo sexto ano consecutivo – chegando ao pior patamar em quase uma década -, foi nos primeiros três anos da Gestão Bolsonaro, que as invasões triplicaram; época em que teve início e se manteve uma “diretriz de paralisação das demarcações” e “omissão completa em relação à proteção de terras já demarcadas”, segundo a entidade. 

Responsável por proteger as Terra Indígenas (TIs) brasileiras, a Fundação Nacional do Índio (Funai), afirmou que desconhece as informações. 

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Foram mais de 300 invasões e 176 assassinatos registrados em 2021, segundo o relatório (Mídia Ninja/Reprodução)

Cenário estarrecedor

Para o Cimi, a consequência da falta de ações do governo federal culminou na expansão da cadeia de crimes ambientais e contra a vida em 226 TIs, em quase todos os Estados brasileiros. Em 2020, 19 Estados foram atingidos, três a menos que no ano passado. 

O cenário estarrecedor por conta da violência, como classifica o Conselho, é três vezes mais grave que o de 2018, quando Jair Bolsonaro foi eleito. Naquele ano, foram contabilizados, ao todo, 109 casos de invasão, enquanto que, em 2012, houve quase 200 ocorrências a mais.

O levantamento, realizado pela primeira vez em 1980, revelou que o Amazonas lidera com 38 invasões, seguido do Mato Grosso do Sul, com 35 e de Roraima, com 32.

Quase 200 vítimas a mais

20202021
263 invasões305 invasões 
170 assassinatos176 assassinatos 
Fonte: Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

Leia também: Desmatamento, agronegócio e o avanço de mineradoras aumentam risco de genocídio da etnia Piripkura

Já a violência contra as pessoas indígenas, que vão além dos crimes contra os ecossistemas protegidos, aumentou ao pior nível dos últimos nove anos. Nesse campo, entram desde os assassinatos, que foram 176, às práticas de racismo e abuso sexual.

Em 2021, teve 160 casos de violência contra indígenas

Crimes contra Povos Indígenas Ocorrências (em 2021)
Ameaça39
Abuso de poder33
Lesões corporais dolosas 21
Racismo e discriminação étnico cultural21
Homicídio culposo20
Violência sexual14
Tentativa de homicídio12
Fonte: Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

Leia também: Desmatamento aumentou mais de 60% na Terra Indígena Apyterewa, no Pará, a mais pressionada da Amazônia

Terras mais ameaçadas

O território Yanomami, entre os Estados de Roraima e Amazonas, já tão atacado pela mineração ilegal e que sofre com a presença de aproximadamente 20 mil garimpeiros, é, de longe, uma das TIs em situação mais crítica em todo o País – não só pela contaminação por mercúrio. Invasores atacaram os moradores a tiros e as crianças, quando não morrem sugadas por dragas, se tornam vítimas de doenças como a desnutrição. Mesmo assim, o descaso e a violência continuam. 

“Os ataques criminosos, com armamento pesado, foram denunciados de forma recorrente pelos indígenas – e ignorados pelo governo federal, que seguiu estimulando a mineração nestes territórios. Os garimpos, além disso, serviram como vetor de doenças como a Covid-19 e a malária para os Yanomami”, destaca o Conselho Indigenista Missionário.

Entre os povos mais ameaçados pelo avanço dos invasores, além dos Yanomami, estão as etnias Munduruku, no Pará, Pataxó, na Bahia, Mura, no Amazonas, Uru-Eu-Wau-Wau e Karipuna, em Rondônia, bem como Povo Chiquitano, em Mato Grosso e Kadiwéu, no Mato Grosso do Sul.

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Pressão política

Para o líder indígena Awapy Uru-Eu-Wau-Wau, políticos locais alinhados ao governo federal, que defendem a expansão do agronegócio a todo custo, alimentam as invasões quando deveriam, ao contrário disso, ajudar a coibir os crimes ambientais no Estado que representam. 

“O território Uru-Eu-Wau-Wau é enorme e muitos políticos incentivam que os invasores entrem no nosso território, deputados, senadores (…) Eles incentivam, falam que a TI é grande, falam que os invasores podem entrar e que eles podem, assim, conseguir algum título [de terra]. É o que dá esperança para que os invasores continuem tendo força”, lamentou ele à reportagem.

Awapy é cunhado do líder Ari-Uru-Eu-Wau-Wau, assassinado, em 2020, por denunciar crimes ambientais dentro da TI (Acervo Pessoal/Reprodução)

Com quase 2 milhões de hectares, a TI se espalha por 12 municípios rondonienses, sendo o lar de nove povos, incluindo grupos isolados. A extensão da área é um dos pretextos para “legalizar” o crime ambiental, segundo a liderança. 

Só em Rondônia, foram registrados 29 casos de invasão aos territórios, além de dois assassinatos de indígenas, no ano passado. Cunhado de Ari-uru-Eu-Wau-Wau, assassinado em 2020 por denunciar a extração ilegal de madeira, Awapy conhece bem o rastro dessa violência. “O ar que a gente respira é da floresta (…) é preciso respeitar nossa cultura e o nosso modo de viver. A Terra Uru-Eu-Wau-Wau abastece Rondônia inteira, praticamente. Não pode acabar, tem que manter em pé”, disse Awapy.

“Tem gente que tem terra grande, mas ainda quer ter mais. O governo federal tinha que colocar mais policiamento (…) travar os bens dos invasores”, concluiu.

Leia também: Após dois anos, assassino do indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau é preso em Rondônia

O que diz a Funai

Em resposta à REVISTA CENARIUM, a Fundação Nacional do Índio (Funai) disse que “desconhece o conteúdo do levantamento citado e que não comenta dados extraoficiais”. O órgão do governo federal disse, ainda, que a proteção das aldeias indígenas é uma de suas prioridades e que investiu  R$ 82,5 milhões em fiscalizações nos últimos três anos. 

A Funai também afirma que apoiou cerca de 1.200 ações de proteção territorial e que “não tem medido esforços na atuação, junto aos órgãos ambientais e forças de segurança pública competentes, no fortalecimento de atividades que visam combater ilícitos nas áreas indígenas de todo o país, bem como garantir a proteção das comunidades indígenas”.

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