Autor de pesquisa que negou 2ª onda da Covid-19, Henrique Pereira é indicado a presidir Inpa

Henrique Pereira dos Santos (Ufam)
Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – Coordenador do estudo que negou a segunda onda da Covid-19 em Manaus (AM), em 2020, o pesquisador Henrique dos Santos Pereira é um dos quatro candidatos, indicados pela comunidade científica, ao cargo de diretor do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa). A candidatura de Pereira para o comando da instituição foi confirmada pelo professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Eronildo Braga Bezerra, que é o presidente da comissão responsável pelo processo de seleção da lista de nomes para a definição do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).

A pesquisa de Henrique defendeu, à época, que o novo coronavírus, causador da Covid-19, sofreria uma remissão “por conta própria”, e fez gestores públicos arrefecerem medidas sanitárias em maio de 2020, apontou o estudo Desinformação causou aumento da mobilidade urbana e fim do confinamento social antes da segunda onda da Covid-19 na Amazônia, publicado na revista científica Journal of Racial and Ethnic Health Disparities.

Cinco meses após publicação do grupo de Henrique Pereira e sua disseminação na imprensa, a capital amazonense registrou um alto índice de transmissão do vírus, propiciando o surgimento da variante P.1, conhecida como gama, colapsando o sistema de saúde do Amazonas e causando a morte de cerca de 10 mil pessoas, no período de novembro de 2020 a junho de 2021.

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Estudo coordenado por Henrique Pereira gerou desinformação (ODS Atlas Amazonas)

O levantamento de Henrique Pereira, que apontava a remissão do novo coronavírus em Manaus, foi registrado no Boletim Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Atlas Amazonas (ODS Atlas Amazonas), no dia 10 de maio de 2020. O estudo de Henrique foi alvo de confrontamento de oito pesquisadores de seis instituições brasileiras que colocaram em xeque as informações no artigo científico, intitulado Desinformação causou aumento da mobilidade urbana e fim do confinamento social antes da segunda onda da Covid-19 na Amazônia, publicado na revista científica Journal of Racial and Ethnic Health Disparities.

O artigo foi assinado pelo Dr. Lucas Ferrante (Ufam), coordenador do estudo, com o apoio do Dr. Alexandre Celestino Leite Almeida (Universidade Federal de São João del-Rei – UFSJ), Dr. Jeremias Leão (Universidade Federal do Amazonas – Ufam), Dr. Wilhelm Alexander Cardoso Steinmetz (Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG), Dra. Ruth Camargo Vassão (Instituto Butantan de São Paulo), Dr. Rodrigo Machado Vilani (Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ), Dr. Unaí Tupinambás (Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG) e Dr. Philip Martin Fearnside (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa). A análise virou especial de capa da REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA, edição de maio de 2023. Acesse o conteúdo aqui.

Capa da Revista Cenarium Amazônia do mês de maio de 2023 (Reprodução/Cenarium Amazônia)

De acordo com os pesquisadores, Henrique Pereira usou o modelo logístico, e não epidemiológico, para prever taxas de crescimento de casos e de óbitos causados pela Covid-19. Ele afirmava que não haveria possibilidades de um segundo pico de contaminação do novo coronavírus a curto prazo, e que a capital amazonense seria “a primeira cidade do País a superar a crise”.

O grupo de Henrique Pereira, que coordenava o ODS Atlas Amazonas, contou com o apoio dos pesquisadores Danilo Egle Santos Barbosa (Ufam), Suzy Cristina Pedroza (Ufam), Bruno Lorenzi (Ufam) e da enfermeira especialista em saúde coletiva Francynara Dias Lorenzi. Procurado pela CENARIUM AMAZÔNIA, Henrique Pereira não se pronunciou sobre o assunto.

Henrique dos Santos Pereira, coordenador do ODS Atlas Amazonas (Reprodução/IEA)
Letalidade

Para o pesquisador Lucas Ferrante, coordenador do estudo que confrontou a tese de Henrique Pereira, a publicação do ODS Atlas Amazonas propagou uma desinformação letal à população. O biólogo afirma ainda que ele e os outros sete pesquisadores comprovaram que houve projeções tendenciosas por parte do estudo de Pereira. “Nosso estudo provou que testes estatísticos utilizados por ele (Henrique Pereira) jamais dariam aqueles resultados com base nos dados observados naquele momento, ou seja, houve um ajuste da linha de tendência do que se queria provar em relação aos dados para tentar vender aquela hipótese”, disse.

Segundo Lucas, a manipulação estatística teve como consequência a defesa do fim do isolamento social durante a pandemia de Covid-19 e influenciou os tomadores de decisão, conduta que, de acordo com ele, não é aceitável para um futuro gestor de um dos institutos de pesquisas mais importantes do Brasil.

Manipulação

“É extremamente preocupante a situação e é algo já provado no artigo científico. Boas práticas científicas é o mínimo que se espera de um futuro diretor do Inpa, coisa que o senhor Henrique Pereira dos Santos não desempenhou num dos momentos mais críticos de Manaus. Então, é crucial que a banca considere essas más práticas científicas desempenhadas pelo pesquisador”, aponta Ferrante, que demonstra preocupação com a hipótese de Henrique assumir a direção do Inpa.

E continha: “O que esse artigo (Desinformação causou aumento da mobilidade urbana e fim do confinamento social antes da segunda onda da Covid-19 na Amazônia) mostra não é uma simples discordância em hipóteses ou ideias. O que esse estudo publicado e realizado pelos pares mostra é que de fato o Henrique Pereira cometeu más práticas científicas como manipulação de dados, ajustando esses dados para tentar corroborar a sua hipótese que sequer tinha fundamentação biológica, e ainda publicou isso como sendo uma pesquisa científica, sendo que não era, pois não passou pelo crivo da revisão pelos pares”, concluiu o pesquisador.

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Regras

Segundo o edital de Nº 30, de 27 de junho de 2023, a escolha de novo(a) diretor(a) presidente do Inpa terá origem em uma lista tríplice, encaminhada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação pelo presidente da Comissão de Busca, que buscará identificar, nas comunidades científica, tecnológica e/ou empresarial, nomes que se identifiquem com as diretrizes técnicas e político-administrativas estabelecidas para cada instituição.

A Comissão de Busca para seleção é composta pelo professor da Ufam Eronildo Braga Bezerra, que presidirá a Comissão; Mariângela Hungria da Cunha, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa); Wagner Cotroni Valenti, da Universidade Estadual Paulista (Unesp); Silvio Silvério da Silva, da Universidade de São Paulo (USP); e Gilberto Fernando Fisch, da Universidade de Taubaté (Unitau).

Segundo o presidente da Comissão, Eron Bezerra, o prazo para homologação das candidaturas segue até o dia 10 de agosto, neste mesmo período, podem ser solicitadas também as impugnações dos candidatos. “Qualquer pessoa pode entrar com um pedido de impugnação de um candidato, se aparecer alguma proposta de impugnação, essa proposta deve ser feita junto ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e a partir daí vamos analisar se procede ou não”, afirmou Eron.

Impugnação

Eron explica que os pedidos de impugnação são analisados individualmente por cada membro da Comissão. “É uma questão que quem vai analisar e tomar uma decisão é o comitê de busca, e aí é uma questão de opinião com base técnica”.

Após homologada as candidaturas, o comitê vai analisar os méritos dos candidatos, essa fase será dividida em quatro etapas: a primeira é o projeto que o candidato vai apresentar; a segunda etapa é o memorial com até dez páginas descrevendo suas principais atuações, produção técnico-científica, experiência científica, tecnológica e administrativa.

Também haverá a análise da formação de recursos humanos, além de quaisquer outras informações adicionais que possam ser utilizadas para sua candidatura; a terceira é a apresentação do currículo Lattes atualizado, no máximo três meses do ato de encerramento das inscrições; e a quarta é a apresentação do plano de trabalho para a comunidade com até cinco páginas descrevendo sua visão de futuro para o Instituto alinhado ao Plano Diretor atual da Unidade.

“Nós vamos entrevistar um a um dos candidatos e qualquer membro da Comissão pode pontuar de acordo com o que ele entender que é uma coisa grave ou não. É uma questão de juízo de valor que cada um faz”, afirmou Eron Bezerra.

Candidatos

Além de Henrique Peraira, outros nomes compõem a lista de indicados a diretor do Inpa, são eles: Bruce Rider Forsberg, doutor em Ecology, Behavior and Evolution pela University of Minnesota (EUA) e pesquisador titular aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.

Carlos Cleomir de Souza Pinheiro, doutor em Biotecnologia e Recursos Naturais pela Ufam e pesquisador titular do Inpa, além de Marina Anciaes, doutora em Ecology and Evolutionary Biology pela University of Kansas, tecnologista Pleno do Inpa, onde também é responsável pela Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Ecologia (PPG – Ecologia).

Por meio de nota, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) esclareceu que os quatro candidatos selecionados pela Comissão de Busca, instituída para a escolha do diretor do Inpa, cumprem os requisitos definidos em edital para concorrer ao cargo. “Entre eles, notório conhecimento e experiência profissional nas áreas de atuação do Instituto. Os candidatos selecionados participarão da próxima etapa, que inclui exposição oral pública e entrevistas com a Comissão de Busca.”, destacou a nota.

Edital

Abaixo, o edital, na íntegra, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação que explica as regras para a escolha do novo diretor do Inpa.

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