Bancos de couro de SUVs impulsionam desmatamento da Amazônia; entenda como

Fazenda à beira de uma área queimada perto de Cacoal, município localizado no Estado de Rondônia, em 15 de julho de 2021. (Victor Moriyama/The New York Times)
Com informações do Estadão

BURITIS – Certa manhã deste verão, Odilon Caetano Felipe, fazendeiro que cria gado em terras desmatadas ilegalmente na Amazônia, se encontrou com um negociante e fechou um acordo para a venda de mais 72 animais engordados. Com uma simples canetada, Felipe limpou o registro de seu gado. E, ao vender os animais, ocultou seu papel na destruição da maior floresta tropical do mundo.

Desmatamento Amazônia
Investigação do New York Times mostra que peles cruas de animais criados em terras desmatadas ilegalmente na Amazônia chegam a compradores do mundo todo. Foto: Victor Moriyama/The New York Times

No almoço, logo após a venda de 14 de julho, Felipe falou abertamente sobre o negócio que o enriquece. Ele admitiu que corta árvores da densa floresta amazônica e que não pagara pela terra. Também reconheceu que estrutura suas vendas para esconder as verdadeiras origens de seu gado, vendendo-o a um intermediário e forjando registros que mostram, falsamente, que seus animais vêm de uma fazenda legal. Outros fazendeiros da região fazem o mesmo, disse ele.

“Não faz a menor diferença”, disse ele, se sua fazenda é legal ou não.

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Uma investigação do New York Times sobre a rápida expansão da indústria frigorífica no Brasil – um negócio que vende não apenas carne para o mundo, mas toneladas de couro por ano para grandes empresas nos Estados Unidos e em outros países – identificou lacunas em seus sistemas de monitoramento, o que permite que peles cruas de animais criados em terras desmatadas ilegalmente na Amazônia passem sem detecção pelos curtumes do Brasil e sigam para compradores do mundo todo.

A fazenda de Felipe é uma das mais de 600 que operam em uma área da Amazônia conhecida como Jaci-Paraná, uma reserva ambiental protegida onde o desmatamento é restrito. E transações como a dele são os pilares de um complexo comércio global que liga o desmatamento da Amazônia a um apetite crescente nos Estados Unidos por luxuosos bancos de couro em picapes, SUVs e outros veículos vendidos por algumas das maiores montadoras do mundo, entre elas a General Motors, Ford e Volkswagen.

Couro, desmatamento e Amazônia
O fazendeiro Odilon Caetano Felipe, de Rondônia, reconhece ter desmatado terras dentro da Jaci-Paraná, uma reserva ambiental protegida. (Victor Moriyama/The New York Times)

Um veículo de luxo pode exigir mais de uma dúzia de peles cruas, e os fornecedores americanos compram cada vez mais couro do Brasil. Embora a região amazônica seja um dos maiores fornecedores mundiais de carne bovina, cada vez mais para as nações asiáticas, o apetite global por couro acessível também significa que as peles cruas desses milhões de bovinos abastecem um lucrativo mercado internacional de couro avaliado em centenas de bilhões de dólares por ano.

Esse comércio de couro mostra como os hábitos de compra do mundo rico estão ligados à degradação ambiental nos países em desenvolvimento – neste caso, ajudando a financiar a destruição da Amazônia, apesar de sua valiosa biodiversidade e do consenso científico de que protegê-la ajudaria a desacelerar as mudanças climáticas.

Para rastrear o comércio global de couro desde as fazendas ilegais na floresta tropical brasileira até os bancos de veículos americanos, o Times entrevistou fazendeiros, negociantes, promotores e reguladores no Brasil e também visitou curtumes, fazendas e outras instalações. O Times falou com participantes de todos os níveis do comércio ilícito na Reserva Extrativista Jaci-Paraná, área do estado de Rondônia que recebeu proteções especiais por abrigar comunidades de pessoas que, ao longo de gerações, viveram da terra por extração de seringueiras.

Essas comunidades agora estão sendo expulsas por fazendeiros que querem terras para o gado. Na última década, os fazendeiros aumentaram significativamente sua presença na reserva e, hoje, cerca de 56% dela foi desmatada, de acordo com dados compilados pelo órgão ambiental estadual.

O relatório também se baseia na análise de dados corporativos e de comércio internacional de diversos países e em milhares de certificados de transporte de gado emitidos pelo governo brasileiro. Os certificados foram obtidos pela Environmental Investigation Agency, um grupo de defesa em Washington. O Times verificou independentemente os certificados e obteve milhares de certificados adicionais em separado.

A investigação possibilitou o rastreamento do couro de fazendas ilegais na Amazônia até instalações operadas pelos três maiores frigoríficos do Brasil – JBS, Marfrig e Minerva – e daí para os curtumes que eles abastecem. A JBS se descreve como a maior processadora de couro do mundo.

Segundo Aidee Maria Moser, procuradora aposentada de Rondônia que passou quase duas décadas lutando contra a pecuária ilegal na reserva Jaci-Paraná, a prática de vender animais criados na reserva para intermediários indica a intenção de ocultar sua origem.

“É uma forma de dar uma aparência de legalidade ao gado”, disse ela, “para que os frigoríficos neguem que haja algo ilegal”.

O problema não se limita a Rondônia. No mês passado, uma auditoria conduzida por procuradores do Pará, estado vizinho e lar do segundo maior rebanho bovino da Amazônia, constatou que, entre janeiro de 2018 e junho de 2019, a JBS comprou 301 mil animais, o equivalente a 32% de suas compras no estado, de fazendas que violavam os compromissos de prevenir o desmatamento ilegal.

Couro, desmatamento e Amazônia
Fazenda à beira de uma área queimada perto de Cacoal, município localizado no Estado de Rondônia, em 15 de julho de 2021. (Victor Moriyama/The New York Times)

A JBS discordou dos critérios utilizados pelo Ministério Público e, em resposta à auditoria, concordou em aprimorar seu sistema de monitoramento, bloquear os fornecedores sinalizados pela pesquisa e doar US $ 900 mil ao Estado.

A matéria completa no link.

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