Coordenado por Iraildes Caldas, grupo de pesquisa da Ufam orienta ações contra violência de gênero

Rede Girassol envolve mulheres e homens em uma grande rede de acolhimento às vítimas (Foto: Alan Geissler / Revista Cenarium Amazônia)
Yana Lima – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS – O Grupo de Estudos, Pesquisa e Observatório Social: Gênero e Poder (Gepos), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), coordenado pela professora Iraildes Caldas, participou da formação de mulheres e homens que fazem parte da Rede Girassol Maria da Penha do Amazonas, durante o evento de comemoração pelos 17 anos da rede, neste sábado, 4, em Iranduba, a 27 quilômetros de Manaus. Durante o evento, membros da rede foram orientados pelo Gepos a compreender as questões de gênero que afetam as comunidades locais, especialmente as mulheres em situações de vulnerabilidade.

O grupo realiza pesquisas sobre a temática de gênero e de questões amazônicas com forte apelo às manifestações simbólicas. Para Iraildes Caldas, iniciativas como a Rede Girassol são fundamentais para combater o que ela afirma ser “o mal do século”.

“A violência doméstica é uma das maiores problemáticas hoje no mundo ocidental, e o Brasil assume uma dianteira nesse ranking. A violência contra a mulher, hoje, é tida como mal do século. E a cada dia cresce essa violência. Hoje nós já temos o crime de feminicídio, desde 2015, que é o crime pelo fato de elas serem mulheres. Não é somente uma misoginia, mas é muito mais do que isso, é matar a mulher porque ela é mulher”, pontua a coordenadora do Gepos, Iraildes Caldas.

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A professora doutora Iraildes Caldas contribui para o combate à violência de gênero em duas frentes: na pesquisa científica e na formação e sensibilização de outras mulheres (Foto: Alan Geissler / Revista Cenarium Amazônia)
Gepos

A violência de gênero é apenas uma das linhas de atuação do grupo, que desempenha um papel fundamental na promoção da igualdade de gênero e na compreensão das dinâmicas de poder que permeiam a sociedade, uma iniciativa que contribui tanto para a academia quanto para a comunidade e a sociedade em geral.

Além disso, o Gepos atua como observatório social, monitorando e analisando as mudanças sociais relacionadas ao gênero na região da Amazônia. “O Gepos é também um Observatório Social, que é acionado para fazer intervenção em questões de gênero no Amazonas. Faz formação para movimentos sociais de mulheres de Manaus e, em alguns momentos, para mulheres do interior do Estado”, destaca Iraildes.

Problema social e político

Pesquisadora e membro do Gepos, Elisiane Andrade é militante da Marcha Mundial de Mulheres e membro do Fórum Permanente de Mulheres de Manaus. Ela enfatiza a importância de iniciativas como a Rede Girassol na conscientização, formação e encorajamento das mulheres para denunciarem todas as formas de violência.

Além disso, Elisiane destaca que a violência contra as mulheres é um problema social e político, que precisa de políticas públicas para ser combatido. “Esse é um trabalho muito bonito, porque a questão da violência não é algo para ser discutido só entre as mulheres, mas é algo para ser discutido em todos os lugares, em todas as instituições, na escola, na igreja, no parlamento, na família principalmente, porque nós precisamos nos desconstruir do machismo, do patriarcado, de tudo que está dentro do leque da raiz que causa todas essas formas de violência e de discriminação contra a mulher”, destaca.

Elisiane Andrade é militante pelos direitos das mulheres (Foto: Alan Geissler/Revista Cenarium)
Amazonas no top 3 do feminicídio

A violência contra as mulheres no Amazonas apresenta dados alarmantes, e que demonstram a importância da união de esforços neste combate. O Estado ocupa o terceiro lugar no ranking nacional e apresenta taxas de feminicídios acima da média brasileira, segundo o Atlas ODS Amazonas, estudo realizado com as informações disponibilizadas pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/Datasus).

Veja o levantamento na íntegra

Em 2022, 21 mulheres foram vítimas de feminicídio no Estado do Amazonas. Na comparação com 2021, houve uma redução de 10%, quando 23 mulheres foram mortas. Neste período, 2.784 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, de acordo com os dados do anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Já o monitoramento da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas Drª. Rosemary Costa Pinto (FVS-RCP/AM) aponta que 3.427 mulheres foram vítimas de violência de gênero em todo o Amazonas nos oito primeiros meses deste ano. A última atualização do painel, cuja inserção de dados é mensal, indica uma média, 14 vítimas por dia.

Rede Girassol

Entre os trabalhos orientados pela pesquisadora Iraildes Caldas está a Rede Girassol Maria da Penha do Amazonas. Fundada em 2006, este movimento nasceu em Iranduba e hoje está presente em 16 municípios, com um olhar especial para as mulheres da zona rural, ribeirinhas, indígenas e quilombolas. Juntas, as mulheres se unem para oferecer dignidade e proteção às vítimas. Mais de 5 mil pessoas já foram acolhidas pela rede.

A Rede Girassol Maria da Penha do Amazonas, que recentemente completou 17 anos, está em franca expansão, e hoje abrange diversas áreas, como pesca, agricultura, artesanato, japonesas, donas de casa, mulheres vivendo com HIV e aquelas que lutam contra o câncer. A Rede Girassol cresceu ao criar núcleos em 16 municípios, além de formar várias associações comunitárias.

Francinete é uma das fundadoras da Rede Girassol, que acolhe vítimas de violência doméstica em 16 municípios amazonenses (Foto: Alan Geissler / Revista Cenarium Amazônia)

Segundo uma das fundadoras da Rede Girassol, Francinete Maia, os planos são expandir a rede para, pelo menos, 32 municípios. “O papel da Rede Girassol Maria da Penha é buscar essas mulheres que foram lesionadas, que tiveram suas histórias trancadas pelo cadeado da agressão, trancadas pela pessoa que elas mais amam. Hoje ela está em 16 municípios, mas ainda falta muito mais. O Amazonas tem 62 municípios. E aqui do lado da ponte para cá, de Manaus para cá, nós temos 32 municípios. A ideia é a gente pegar primeiro os municípios daqui, os 32, e depois chegarmos na ponte”, projeta.

As atividades da rede envolvem encaminhar vítimas de violência, chamadas de “Pétalas”, para assistência médica imediata, evitando sua revitimização. Além disso, oferecem acolhimento por meio de parcerias com profissionais como psicólogos, assistentes sociais e advogados. A organização também promove cursos de formação e empreendedorismo, incluindo treinamentos na área de beleza, como manicure, limpeza de pele e corte de cabelo.

Essas ações se estendem a homens, mulheres e crianças, inclusive aqueles que sofreram violência doméstica, a quem a rede se refere como “Trevo”.

Cicatrizes

Hulda Costa, uma mulher de 49 anos que trabalha como autônoma em Iranduba, distante 36,3 km de Manaus, carrega no corpo e na lembrança as cicatrizes de inúmeras experiências dolorosas de violência doméstica que marcaram sua vida ao longo de um casamento de mais de 20 anos.

Após três anos da separação, ela conta que está livre, mas a voz ainda embarga e as lágrimas ainda molham seu olhar quando ela relembra as agressões sofridas. “É muito triste a gente se dedicar completamente para o lar, para os filhos, para ter um ambiente de respeito, enquanto uma pessoa só te coloca para baixo, te agride e diz que você não é capaz”, conta Hulda. Ela prefere não entrar em detalhes, mas conta que sofreu desde a violência psicológica até a violência física.

O apoio caloroso e a orientação generosa de outras mulheres foram como uma luz em seu caminho. Foi por meio do apoio da Rede Girassol Maria da Penha do Amazonas que Hulda encontrou a força necessária para se libertar desse relacionamento abusivo. Hoje, ela se considera uma mulher liberta e radiante de felicidade. Com cinco filhos crescidos, ela não apenas redescobriu a alegria de viver, mas também a capacidade de viajar e desfrutar da sua própria companhia.

“Passei por várias situações constrangedoras, mas hoje estou liberta. Sou um girassol que floresceu e hoje estou aqui, disponível para orientar e ajudar outras mulheres”, afirma.

Hulda Costa venceu a violência doméstica e hoje se considera um “girassol que floresceu” (Foto: Alan Geissler / Revista Cenarium Amazônia)
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Edição: Eduardo Figueiredo
Revisão: Gustavo Gilona
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