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Doutorando indígena do AM lança primeira dramaturgia escrita por um Sateré-Mawé na história da etnia
Josias Sateré é o primeiro indígena do Amazonas a escrever um livro como peça de teatro da história da etnia (Michel Paixão)
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26 de abril de 2022
Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium
MANAUS — O professor de Pedagogia Josias Ferreira, do povo Sateré-Mawé, da Terra Indígena Andirá-Marau, é o primeiro da etnia no Amazonas a escrever um livro como peça de teatro na história. A obra “Os Sateré-Mawé e o Teatro dos Clãs” tem como coautores o professor Renan Albuquerque, líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ambientes Amazônicos da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), e a assistente social e pesquisadora Jalna Gordiano. O lançamento será no final de maio deste ano.
“É um trabalho diferente, pioneiro, que nunca existiu. Estamos abrindo caminho para essas novas lideranças e escritores que estão chegando. Estar ali, fazendo esse alicerce, escrevendo, produzindo e compartilhando conhecimento é, para mim, grandioso, pois estamos trazendo para essa nova geração uma nova concepção de escrita, de estudo e até mesmo como abordar temas da nossa realidade, da aldeia, onde tem a floresta, os animais, os encantados, onde a gente convive com esse verde que respiramos, ao mesmo tempo que nos dá a vida”, contou o escritor Josias.
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“Nesse processo todo envolvido, tentamos desenhar, costurar e saiu o Teatro dos Clãs. Se Deus nos permitir, e Tupana nos conceder, esse trabalho será, sim, uma referência para nossas escolas de Andirá-Marau”
Josias Sateré-Mawé, escritor e autor da obra “Os Sateré-Mawé e o Teatro dos Clãs”
Além de ser o primeiro escritor indígena a lançar uma obra de dramaturgia, Josias Ferreira é membro do clã Ut (sateré) e também o primeiro integrante do povo Sateré a ser titulado como mestre na área de Sociedade e Cultura na Amazônia, do Programa de Pós-graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA). A defesa da pesquisa de mestrado aconteceu em 2019, na Ufam. Atualmente, Ferreira é doutorando em Educação pela Ufam.
Nesta terça-feira, 26, Josias Sateré contou à REVISTA CENARIUM sobre o desafio de produzir a obra e a expectativa sobre a peça. “Foi um desafio trazer esse formato de texto, além de um aprendizado também. Espero que a própria academia e as pessoas que vão pesquisar gostem e colaborarem com a gente sobre a questão da estética, da escrita e da expectativa que eles tiveram ao ler o livro para que possamos trazer, ainda outras inúmeras histórias que o povo Sateré-Mawé tem para dentro das escolas e universidades. Quem sabe essa obra possa servir como material didático para os indígenas e não indígenas da terra de Andirá-Marau”, destacou Josias Sateré.
Josias salientou que a peça fala, justamente, da inteligência Sateré-Mawé em resolver uma problemática, povo que tem certa habilidade para contornar tais situações. “Existem vários momentos, situações, em que a gente consegue trazer o conhecimento da aldeia, do povo, entrelaçando com outras culturas e tirando vantagem, porque cada contato entre culturas acontece a fricção étnica: a gente consegue aprender e também ensinar. E a leitura vem nesse sentido, de ver o Sateré-Mawé como aquela pessoa étnica que resolve os problemas com facilidade, levando o seu saber milenar”, reforçou.
História
O livro é uma iniciativa do programa nacional Teatro e Povos Indígenas (Tepi), realizado pelo líder indígena Ailton Krenak, considerado um dos maiores ativistas do movimento socioambiental e de defesa dos povos originários, em parceria com Andréa Figueiredo, doutoranda pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).
Segundo um dos coautores da obra, o professor doutor Renan Albuquerque, o livro busca trazer a relação do corpo indígena com as questões da cidade. “Ou seja, entre os povos indígenas, há sempre a contação de histórias, seja envolta da fogueira ou ao redor dos mais velhos, que rendem muitas vezes dramas e encenações, como no caso do Tepi. Por exemplo, essa história descrita na dramaturgia do Tepi é contada por Josias Sateré que ouvia dos pais dele, que são líderes do clã Ut (o clã lagarta), dos Kapi, e do povo Sateré-Mawé”, explicou.
“É a primeira dramaturgia escrita por um Sateré-Mawé na história da etnia. Isso mostra que dramaturgia e palco não são uma especificidade dos brancos, mas que já vem de modo ancestral, trazida também pelos povos indígenas”
Renan Albuquerque, professor doutor e coautor da obra “Os Sateré-Mawé e o Teatro dos Clãs”
Universo indígena nas Américas
À CENARIUM, Albuquerque explicou ainda que a peça é uma tradução de um universo ameríndio para o universo dos brancos. Segundo o professor, que realiza pesquisa sobre o povo Sateré-Mawé há cerca de 12 anos, a colaboração dele na construção da obra foi para facilitar, propiciar e ser um mediador das questões indígenas para o universo urbano não indígena.
“Junto com Josias Sateré e a pesquisadora Jalna, fizemos essa tradução de uma cosmologia ameríndia para a realidade Ocidental branca. Ou seja, pegamos uma dramaturgia ameríndia e a trouxemos para o campo da sociedade urbana não indígena”, frisou Renan Albuquerque.
Direitos
A pesquisadora Jalna Gordiano descreveu à CENARIUM que buscou colaborar com a obra trazendo a experiência dela como assistente social, sempre fiel à essência original da peça escrita por Josias Sateré-Mawé. Para ela, o livro vai de encontro ao defendido por ela e a assistência social: a luta e a defesa pelos direitos humanos.
“O código de ética do serviço social tem muito a ver com o respeito e a defesa dos direitos humanos. Acredito que, trabalhando dessa maneira, a gente está participando também dessa luta em defesa dos direitos humanos, da equidade, do respeito às diferenças, aos povos e defendendo a nossa cultura, porque a cultura indígena é a do nosso Estado”, pontuou a pesquisadora.
Para a pesquisadora, o lançamento da obra abre novas portas para projetos como o do escritor Sateré. “Fico muito feliz e honrada em participar desse projeto, cuja estrela é o Josias Sateré. Fico feliz também por ver que as mídias e as plataformas digitais possibilitam essa interação e acredito que estamos abrindo novas portas que mais trabalhos como esses cheguem ao público”, concluiu.
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