‘Parintina Rainha’: sexualização em toada do Garantido reflete machismo e sexismo, avaliam pesquisadores

Ilustração: Gilmal
Isabella Rabelo – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – ‘Parintina Rainha’, toada do Boi Garantido, causou polêmica nas redes sociais após internautas afirmarem que a composição utiliza termos desrespeitosos e que sexualizam o corpo da mulher. Lançada na última sexta-feira, 19, como parte do álbum “Segredos do Coração“, a obra seria destinada ao ‘Item 8’ do bumbá vermelho e branco, representado pela Rainha do Folclore, mas foi excluída do repertório após a polêmica.

A toada é um estilo de música folclórica originária da Amazônia e transformada em canções no repertório do Festival Folclórico de Parintins. As letras e melodias, idealizadas por artistas dos bois Caprichoso e Garantido, embalam as apresentações que contam história do folclore amazônico e exaltam as belezas naturais da região.

Na letra da toada Parintina Rainha, é feita a associação da personagem descrita como “pirralha” a termos de denotação sexual, como “fogosa”, “dengosa”, “faceira”, além de apresentar frases que se referem à mulher indígena e parintina exclusivamente como um objeto sexualizado, direcionando todos os elogios ao seu corpo:

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Me atiça, me alcança, me laça

Me beija com graça, me faz delirar

Me ama, me denga, me benze

Me assanha na manha, eu só quero te amar.

É no compasso da toada, que eu te abraço

No emaranhado das tuas curvas, eu me encaixo

No caqueado do gingado, me alucino

E no teu colo, sou teu homem, teu menino

Artigo da antropóloga Dassuem Nogueira debateu o assunto e obteve grande repercussão midiática. Em entrevista à REVISTA CENARIUM, a profissional abordou pautas como o machismo e o sexismo intrínsecos na sociedade, afirmando que os bois de Parintins não fogem dessa realidade, funcionando como estruturas sociais.

Esses comportamentos se interseccionam e estruturam a sociedade por meio de ideias naturalizadas. Esse é um aprendizado que requer esforço e estudo, inclusive para nós mulheres. Somente após ter recebido ampla repercussão negativa nas redes sociais, foi que compreenderam que havia algo de errado com a toada. Mas, a julgar pelas notas emitidas, ainda não compreendem plenamente as questões levantadas. As notas foram tímidas nesse sentido“, declarou a antropóloga, que ainda apontou alternativas para evitar que situações como esta voltem a ocorrer.

Uma das melhores vias é, justamente, como fez o Garantido e Caprichoso ao colocar mais mulheres em espaços anteriormente exclusivos de homens, como na Comissão e Conselho de artes, respectivamente. Se tudo der certo, seremos cada vez mais mulheres e outras diversidades sociais a construir esse espaço multivocal. O festival só tem a ganhar com isso“, finalizou.

Opinião

O professor universitário e pesquisador dos estudos de gênero e sexualidade no contexto artístico, Állex Brandão, também se pronunciou sobre o assunto, utilizando as redes sociais para compartilhar a opinião e expressar críticas à toada. O pesquisador apontou que a letra coloca a mulher em um lugar de objeto de desejo masculino, ignorando a autonomia e dignidade.

Análise do pesquisador Állex Brandão, publicada no Facebool (Reprodução/Facebook)
Críticas

Internautas se manifestaram e criticaram a obra, exigindo um pronunciamento do Boi Garantido e até mesmo que a toada fosse excluída do álbum, bem como do repertório do Festival de Parintins 2024, edição para a qual foi produzida. Opiniões externadas nas redes sociais apontaram-na como “Uma letra de péssimo gosto” e “Totalmente o oposto da imagem da mulher no Festival”. 

Veja algumas críticas:

Leia também: No Dia Internacional da Amazônia, rappers cariocas gravam versão de toada do Boi Garantido
Pronunciamento

Com a repercussão negativa, a Associação Folclórica Boi-Bumbá Garantido emitiu uma nota de esclarecimento, na qual se retratou pela situação e anunciou a decisão de retirar a toada de todas as plataformas digitais e páginas oficiais em respeito aos torcedores. 

Um dos compositores da toada “Parintina Rainha”, Mário Paulain também se pronunciou nas redes redes sociais, afirmando ter sido mal interpretado e explicando as intenções ao utilizar os termos criticados. O outro compositor é o artista Chico Da Silva.

“Quando utilizei ‘fogosa’, referi-me a uma dançarina ardente, cheia de energia. Com ‘pirralha’ quis dizer que a dançarina é uma pessoa de pequena estatura, posto que nunca vi uma dançarina de boi com 1,80m”, defendeu.


Nota divulgada por Mário Paulain (Divulgação)

Apesar de toda a polêmica criada em volta da toada, os internautas expressaram opiniões de respeito e elogios ao trabalho do compositor, e afirmaram não haver problema caso a obra seja restituída ao repertório do Festival, após serem feitas as alterações necessárias na letra.

Publicação de internauta no X (Reprodução/X)
Editado por Marcela Leiros
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