Pela primeira vez, indígena amazonense terá poema exposto em festival de Minas Gerais

A multiartista amazonense Márcia Kambeba em ensaio fotográfico promocional (Divulgação/Assessoria)
Adrisa De Góes – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – A multiartista e indígena amazonense Márcia Kambeba vai ter o poema “Kumiça Jenó” (“Ouvir e Falar”, em português), escrito na língua Tupi Kambeba, exposto na segunda edição da “Festa da Luz”, a partir dessa quinta-feira, 11, até o domingo, 14. O festival mistura arte pública, música, tecnologia e arquitetura nas ruas de Belo Horizonte (MG).

Como parte do circuito de arte interativa, a criação poética será estampada em um letreiro na fachada do edifício Chagas Dória, uma construção histórica localizada no Baixo Centro da capital mineira. A participação da escritora, no evento, levará, pela primeira vez, poesia escrita na língua indígena e traduzida para a língua portuguesa, visando destacar a literatura amazônica e dos povos originários.

Natural do Alto Solimões, nascida e criada na aldeia Belém do Solimões, da etnia Tikuna, em Tabatinga (distante 1.106 quilômetros de Manaus), Márcia Kambeba é filha de pai e mãe pertencentes à etnia Omágua/Kambeba e Kokama. À REVISTA CENARIUM, ela afirmou que é preciso fortalecer a resistência indígena nos mais diversos espaços da sociedade.

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A multiartista amazonense Márcia Kambeba (Reprodução/Arquivo Pessoal)

“Vejo esse convite como uma forma necessária de ocupar todos os espaços e poder ecoar resistência, cultura, identidade com decolonialidade e sempre falando da Amazônia como esse sujeito de direito. Fortalece a luta que se vem fazendo relacionada aos povos indígenas que vivem na Amazônia e em todo território brasileiro”, destaca a escritora.

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Língua-mãe

Além de escritora e poeta, Márcia Kambeba é fotógrafa, locutora, compositora, ativista, educadora, atriz, roteirista, apresentadora, cantora, contadora de histórias, palestrante de assuntos indígenas e ambientais, no Brasil e exterior, e também faz recitais. Com toda a bagagem cultural e profissional que carrega, ela luta contra o dispositivo colonial que inviabiliza as línguas indígenas.

“Por tempo, [a língua indígena] foi tida como ‘gíria’, o que, na verdade, seriam línguas maternas faladas em vários troncos linguísticos, e foram silenciadas pelo contato. Quando a gente faz um trabalho desse, onde a escrita primeira é na língua materna, e depois o português, estamos dizendo que não nos curvamos ao dispositivo colonial. Existimos, sim, e não existe apenas uma ‘cara de “índio’, mas uma identidade que nos faz pertencer a um povo”, defende a multiartista.

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Trajetória

Márcia Wayna Kambeba é graduada em Geografia pela Universidade Estadual do Amazonas (UEA), com especialização em Educação Ambiental pela Faculdade Salesiana Dom Bosco, e mestrado em Geografia pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Desde 2011, ela reside no Pará e faz doutorado em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal do Pará (UFPA).

A multiartista tem cinco livros publicados. O primeiro, e mais conhecido, se chama “Ay Kakyri Tama” (Eu moro na cidade)”. Já os demais são: “O lugar do Saber Ancestral”; “Saberes da Floresta”; “Kumiça Jenó: narrativas poéticas dos seres da floresta”; “O povo Kambeba e a gota d’água”. Como atriz, ela participou da minissérie Diário da Floresta, da TV Cultura, na personagem da Soapor, retratando o povo Suruí Paiter. Como roteirista, ela trabalhou na série Cidade Invisível, da Netflix.

Márcia Kambeba tem uma série de trabalhos e participações nas diversas áreas em que atua, entre eles: membro da Academia Formiguense de Letras, em Formiga (MG); membro da Academia Internacional de Literatura Brasileira nos EUA; tem poesias estudadas em várias universidades do País e exterior, como a L’Université du Québec à Montréal (UQAM), a Universidade de Sorbone e a Kingston Universit.

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Provocação ao público

Coordenadora do evento, Júlia Flores explicou à CENARIUM que a exposição do poema da escritora Márcia Kambeba, na língua Tupi, falada pelo povo da etnia, visa provocar curiosidade e estranhamento aos visitantes do festival de artes, ao propor o contato entre público e artista sem a mediação da língua portuguesa.

“Por que a gente desconhece completamente as línguas originárias do Brasil? Que coisa é essa que a gente fala, que quer aprender as línguas do mundo inteiro, e não se interessa em olhar para a própria história?”, indaga a coordenadora. “O prédio que a Márcia está intervindo fica na rua Sapucaí, que em Tupi significa ‘rio que grita’. A gente queria fazer esse diálogo com a presença indígena invisibilizada na cidade”, complementa.

Primeira edição da Festa da Luz, em 2021 (Ísis Medeiros/Divulgação)

Festa da Luz

A partir dessa quinta-feira, 11, até o próximo domingo, 4, a “Festa da Luz”, vai transformar Belo Horizonte em um circuito de arte pública. O festival artístico vai apresentar instalações, shows e projeções de vídeo mapping, criadas por artistas internacionais e de todo o Brasil.

O evento promete misturar arte urbana, música, tecnologia e arquitetura para criar um ambiente lúdico e luminoso “num grande universo onírico, incorporando fantasia ao cotidiano”. O festival, idealizado pela Associação Cultural Casinha e pela Híbrido Comunicação e Cultura, é uma coprodução das duas com a Pública, produtora do Circuito Urbano de Arte (Cura).

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