‘Reféns do Carvão’: estrangeiros, pardos e de baixa escolaridade, o perfil de quem trabalha nas carvoarias

Jovens trabalhando em carvoaria em Boa Vista (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)
Ricardo Oliveira e Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

RORAINÓPOLIS (RR) – “Queremos ir embora, conseguir um futuro melhor do que aqui”, esse é o anseio do venezuelano Daniel de Jesus, 23, carvoeiro encontrado pela reportagem em um fundo de quintal na beira da estrada, na entrada de Rorainópolis (distante 210 km de Boa Vista). A busca pela sobrevivência é algo comum entre os trabalhadores ouvidos pela REVISTA CENARIUM em Roraima, que, em sua maioria, são de outros Estados ou venezuelanos, pardos e com baixa escolaridade, empurrados pela miséria e preconceito para o trabalho nas carvoarias.

Daniel diz que optou por trabalhar na carvoaria por conta de preconceito e xenofobia sofridos em outras empresas na cidade. “Eu trabalhei em loja de construção, sem carteira assinada, trabalhei em padaria, eletricidade, mecânico, pedreiro… Trabalhei aqui de tudo, mas eles só querem pagar uma miséria e tratam a gente mal. Uma última vez trabalhei fazendo placa e ele [o patrão] quis humilhar minha família, humilhar meu filho e eu não aguentei mais”, relatou.

Daniel de Jesus, 23 (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

O objetivo de Daniel e a esposa dele, Jennifer Cerpa, também venezuelana, é sair de Rorainópolis, mas, atualmente, precisam esperar pela maioridade dela, que tem 17 anos, para conseguir emitir os documentos necessários para deixar a cidade.

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Queremos ir embora, sim, para outro Estado melhor, conseguir um futuro melhor do que aqui. Não posso viajar com uma menor de idade, porque a polícia pode pensar que estou sequestrando ou fugindo com ela. Então, estamos esperando ela ficar de maior”, conta Daniel. O casal tem como meio de transporte duas bicicletas com um assento improvisado para o bebê. A criança é transportada em uma caixa de frutas de plástico colocada na traseira da bicicleta, revestida com um travesseiro e com um guarda-sol instalado.

Família de venezuelanos anseia por um futuro melhor (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

De todos os entrevistados, tanto em Rorainópolis, quanto em Boa Vista, apenas Graça Vicente, 49 anos, é natural de Roraima. Casada com um venezuelano, Graça morou, por alguns anos, com a família fora do País, mas precisou retornar após a crise econômica, política e humanitária que atingiu a Venezuela.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 6 milhões de venezuelanos fugiram do país. Reflexo disso é que em um dos locais visitados pela reportagem, em Nova Colina, distrito de Rorainópolis, dos 20 trabalhadores, apenas dois eram brasileiros e falavam português, enquanto todos os outros eram venezuelanos.

Maioria dos carvoeiros de Boa Vista era de venezuelanos (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Desde 2015, Roraima tem sido o destino principal para os refugiados venezuelanos. Fazendo fronteira com o país, o município roraimense de Pacaraima, por exemplo, foi o que mais cresceu em população, entre os anos de 2020 e 2021, saindo de 18.913 habitantes para 20.108 habitantes (aumento de 6,32%), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A situação encontrada pela reportagem é a materialização de dados divulgados pelo Observatório de Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, que mostram uma maior incidência no Brasil de resgate de homens pardos, entre 18 e 24 anos, ou 45 e 49 anos, com nível de escolaridade que não passa do ensino médio, com a maioria tendo terminado apenas o ensino fundamental. Os trabalhadores foram resgatados, em sua maioria, em atividades de produção florestal (nativas e plantadas).

Área desmatada em Rorainópolis (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Conforme o Sistema Nacional de Informações Florestais do governo federal, na produção florestal, a matéria-prima pode ser proveniente de florestas plantadas ou de florestas naturais. A transformação da matéria-prima florestal resulta em produtos madeireiros e não madeireiros. A Região Amazônica é a maior fornecedora desses produtos para as demais regiões do Brasil e do exterior.

Perfil dos trabalhadores resgatados na Amazônia (Arte: Mateus Moura/Revista Cenarium)
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