Rondônia cria semana da luta e diversidade indígena; lideranças avaliam ganhos práticos da medida

Uma louvável iniciativa, na avaliação de lideranças e especialistas na área. (Ubiratan Suruí/Reprodução)
Iury Lima – Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) — Agora é lei: as tradições, as crenças e a diversidade indígena de Rondônia serão celebradas como parte do calendário oficial do Estado, a partir de 2023, na Semana Cultural dos Povos Indígenas. Uma louvável iniciativa, na avaliação de lideranças e especialistas na área. Por outro lado, eles são unânimes em dizer que ainda há muito a ser feito para, de fato, proteger e preservar a existência das mais de 50 etnias habitantes do Estado. 

As comemorações, consideradas positivas, mas “superficiais”, devido ao contexto histórico de um dos Estados amazônicos que mais devastam a floresta, com o aval de políticos – consequentemente, tramando contra os próprios povos -, têm previsão para acontecer uma vez ao ano, com início em 18 de abril, um dia antes da data em que se celebra o Dia dos Povos Indígenas. Trata-se da Lei N° 5.452/22, aprovada pela Assembleia Legislativa (ALE-RO) e sancionada pelo vice-governador, José Jodan, nesta semana.  

Ao tempo em que este é mais um passo rumo ao respeito e à queda de preconceitos, publicação do texto é ofuscada por um trágico evento, repercutido como clara demonstração de omissão, negligência e descaso dos governos estadual e federal: o genocídio de uma população nativa inteira da Amazônia brasileira, os indígenas isolados do território Tanaru, que viviam ao sul de Rondônia, consumado há cerca de três meses com a morte de seu último remanescente, o homem conhecido como ‘Índio do Buraco’.

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Ações festivas “não resolvem nenhum milímetro dos problemas que ocorrem nas terras indígenas de Rondônia”, diz a antropóloga do Cimi Lúcia Helena Rangel (Reprodução)

Semana Cultural

O Governo de Rondônia defende que, com a nova lei, cria-se uma agenda de debates sobre a valorização da pessoa indígena. E elenca, além da valorização da diversidade étnica, linguística e cultural, os seguintes objetivos: 

  • Reconhecimento de suas contribuições para a sociedade; 
  • Os aspectos da cultura, da culinária e da língua indígena; 
  • Produção de conhecimentos, atitudes, posturas e valores que garantam o respeito à história e à cultura dos povos indígenas;
  • Reflexão de forma crítica a respeito das condições históricas dos povos indígenas;
  • Divulgação dos enfrentamentos sobre as terras indígenas; 
  • Desconstrução dos preconceitos sobre os povos indígenas; e 
  • Fortalecimento do real significado dos povos indígenas na construção e influência na história da nossa região.

‘Surpreendente, mas superficial’

Tudo isso é importante, na avaliação do especialista em Direito Ambiental e Indígena Ramires Andrade, que também é advogado do Parlamento Indígena Brasileiro (Parlaíndio). Ele diz que vê “com bons olhos” a criação da lei, mas não hesita em dizer que ficou surpreso, considerando, justamente, o histórico de retrocessos étnicos e ambientais impetrados pela gestão Coronel Marcos Rocha (União), nos últimos quatro anos, à frente de Rondônia – agora, reeleito para um novo mandato. 

“É uma iniciativa interessante, sim, é importante para a valorização dos povos”, defende Andrade. “Mas é preciso observar com mais cautela e profundidade”, advertiu em entrevista à REVISTA CENARIUM.

Para o advogado do Parlaíndio, Ramires Andrade, é preciso olhar para além da superficialidade do evento (Acervo Pessoal/Reprodução)

Quem concorda com o advogado do Parlaíndio é o cacique André Karipuna, líder de um dos grupos étnicos que habita, originariamente, o Estado de Rondônia. Na opinião dele, o dispositivo legal “ajuda”, mas se limita à superficialidade.

“Essa lei é boa, mas é preciso fazer muito mais. Essa lei não vai diminuir o preconceito que nós, povos indígenas do Brasil, sofremos, pois, algumas pessoas que não nos conhecem têm outro olhar sobre nós (…) não é só criar uma data de valorização, é preciso melhorar em diversos outros contextos, de uma forma geral”, declarou o cacique à reportagem.

André Karipuna ressalta que o Estado deveria, mais do que criar uma data festiva, ser mais enérgico no combate e punição contra quem invade territórios e desrespeita o modo de vida das populações nativas, com comentários e atitudes preconceituosas.

Cacique do povo Karipuna, André Karipuna resiste em uma única comunidade formada por menos de 70 pessoas (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Debaixo do tapete

Só em 2021, o governador de Rondônia deu três de suas piores “canetadas” antiambientais de todo o primeiro mandato. Liberou o garimpo de ouro no Rio Madeira, reduziu quase 220 mil hectares de duas importantes Unidades de Conservação (UCs) do Estado e proibiu a destruição de maquinários apreendidos em fiscalizações, especialmente, no desmatamento e no garimpo. Não fosse a Justiça, os dispositivos estariam em vigor até agora. 

“O caso de Rondônia, particularmente, merece muitas considerações”, diz à CENARIUM a doutora em Antropologia Lúcia Helena Rangel, que representa o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). 

“No mínimo, isso [criação da semana cultural], é uma maneira do Governo de Rondônia tergiversar [dar as costas], ou seja, ficar enrolando, e tal, dizer que protege, que vai fazer semana cultural para reconhecer a importância dos povos indígenas, quando esse mesmo governo liberou um monte de registro no Cadastro Ambiental Rural, quando esse mesmo governo fica ameaçando os indígenas com a construção de hidrelétricas, enfim”, condena Rangel que também é vice-coordenadora do curso de Ciências Socioambientais da Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Leia mais: Em carta aberta, 23 lideranças expõem ‘descaso’ de governo rondoniense com Amazônia

Crítica à postura do governo de Rondônia, Lúcia Helena Rangel, doutora em Antropologia, vê a criação da lei como um disfarce para a omissão estadual (Antonio Cruz/Agência Brasil)

Segundo a antropóloga, não é com eventos que o governo deveria fazer algo pelos indígenas, caso quisesse de verdade. “É bom. É ótimo valorizar a cultura, promover debates, apresentações culturais. Mas esse tipo de ação não resolve nenhum milímetro de todos os problemas que ocorrem nas terras indígenas de Rondônia”, critica Lúcia Helena Rangel.

Leia também: Órgãos ignoram povo Karipuna após denúncia de grilagem e roubo de madeira, em Rondônia

Rangel cita a luta do povo Karipuna, como exemplo de pautas mais “emergenciais”, que deveriam ser melhor atendidos, em Rondônia. Hoje, uma única comunidade, formada por menos de 70 pessoas, resiste às invasões alimentadas pela exploração de ouro, terra e madeira. “Esse povo tem sido molestado recorrentemente por madeireiros, por garimpeiros e o governo de Rondônia não toma nenhuma providência (…) ah, vai dizer que é uma área federal. É hipocrisia, mesmo”, afirma a doutora em Antropologia.

Com esperança no novo Governo Lula, Lúcia Helena espera mais atenção para a garantia dos direitos humanos das populações originárias do Brasil. “Os indígenas estão mobilizados, têm uma pauta de reivindicação grande e muito séria e os indígenas de Rondônia estão reivindicando isso, que as suas terras sejam ‘desintrusadas’, como a gente fala, que expulsem todos os madeireiros e garimpeiros que desenvolvem atividades Ilegais nos territórios”, conclui a especialista.

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