Fala preconceituosa de ex-diretor da Banco Central contra ZFM aponta desconhecimento

Economista Alexandre Schwartsman chamou a Zona Franca de Manaus de "aberração" (Reprodução)
Yana Lima – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – A televisão, o ar condicionado e até mesmo o dispositivo eletrônico pelo qual esta notícia é transmitida provavelmente foram fabricados na Zona Franca de Manaus (ZFM), chamada em rede nacional de “aberração” pelo economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central (BC).

A fala revela desconhecimento e certo despeito, e pode fazer parte de uma campanha contra o modelo econômico, conforme especialistas e parlamentares locais. A polêmica ocorre em um momento em que os interesses da ZFM, e de outras regiões, serão votados no Senado, na tramitação da Reforma Tributária.

Durante um debate que ocorreu na última segunda-feira, 23, durante uma entrevista ao Jornal da TV Cultura, sobre a decisão de conceder férias coletivas aos trabalhadores do Distrito Industrial de Manaus, devido às condições climáticas extremas que assolam a região, o economista Alexandre Schwartsman problematiza a localização da indústria.

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“Tem um problema climático, realmente não dá para prever. Mas, por que diabos a indústria tá lá e o centro consumidor está aqui? É porque tem uma aberração chamada Zona Franca de Manaus. Então, depende de todos os modais, bom se fosse num lugar que ficasse perto do mercado consumidor a gente não estaria passando por isso, mas agora eles têm mais 50 anos para aquela indústria infante e quando acabar os 50 a gente vai ter mais 120 que é para dar sorte”, ironizou.

Economista Alex Schwartsman chama Zona Franca de Manaus de ‘aberração’ (Foto: Reprodução / TV Cultura)

Para o economista especialista em crescimento e desenvolvimento econômico e economia internacional Inaldo Seixas, as falas foram desrespeitosas e premeditadas, sobretudo vindas de um profissional cujas opiniões carregam peso no mercado.

“O tom desrespeitoso demonstra falta de consideração para com a população e os cidadãos do Amazonas, bem como para nós que vivemos na região. Em alguns aspectos, essa atitude pode até ser interpretada como uma campanha deliberada contra a Zona Franca de Manaus, o que exige uma resposta firme”, avalia.

Inaldo Seixas mencionou o estudo do professor Márcio Holland, da Fundação Getulio Vargas, que aponta que, desde a sua implantação, a ZFM promoveu o crescimento da renda per capita acima da média nacional. O estudo aponta para uma redução das desigualdades econômicas após a ZFM.

“Em 2010, a renda per capita de São Paulo (R$30 mil) era 1,8 vezes maior do que a do Amazonas (R$17 mil). Em 1970, no começo da ZFM, a renda per capita de São Paulo (R$17,4 mil) era sete vezes maior do que a do Amazonas (R$2,4 mil). Houve, assim, relevante redução da diferença de renda per capita entre o Amazonas e os Estados mais ricos do País”, afirma Holland.

O economista Inaldo Seixas (Reprodução)

Além de desrespeitosa, a fala de Schwartsman ignora a teoria, uma vez que a ZFM é um programa de
desenvolvimento regional alicerçada na teoria econômica de Polos de Crescimento e Desenvolvimento do economista francês, François Perroux.

“Sendo economista, ele sabe que os países podem adotar ferramentas e mecanismos da economia para alavancar regiões que são de difícil integração econômica, seja porque estejam em zonas distantes dos centros consumidores, seja por quaisquer motivos. Isso não é uma novidade, e ele sabe perfeitamente disso”, disso Seixas sobre Schwartsman.

Para o economista, opiniões como esta ignoram a necessidade de resolver uma crise econômica que se arrastava há muito tempo no Estado do Amazonas, desde o ciclo da borracha. Ele revela ainda uma tendência crescente de uso desse modelo de desenvolvimento em regiões que enfrentam desafios econômicos, como questões logísticas, distância e falta de infraestrutura.

“Em 2019, havia, aproximadamente, 5.400 zonas francas em todo o mundo, distribuídas em 147 economias, representando um aumento considerável em comparação com 2015, quando havia cerca de 1.400 zonas francas a menos”, indica.

Leia mais: Evolução econômica de Manaus e perspectivas de futuro
Fala descontextualizada

Dados do Governo do Amazonas apontam que a Zona Franca representa 70% da atividade econômica do estado, gerando, direta e indiretamente, mais de meio milhão de empregos, com faturamento global de R$ 174,1 bilhões em 2022.

A indústria no Amazonas representa cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado e é responsável por aproximadamente 50% da arrecadação. Embora o comércio seja o principal arrecadador, sua receita está diretamente ligada à atividade industrial. Para o presidente da Fecomércio AM, Aderson Frota, a fala do economista descontextualizou as férias coletivas concedidas por empresas no Amazonas, que ocorreu por conta da estiagem, e não por uma falha do modelo econômico.

Área industrial da Zona Franca de Manaus (Divulgação)

“A Zona Franca de Manaus não é uma aberração. Ela é justamente um instrumento que tem o objetivo exatamente de criar no interior da Amazônia um polo comercial, industrial e agropecuário. Infelizmente, esse conceito vem exatamente do baixo índice populacional e da ausência de atividade econômica capaz de garantir e preservar esta região. Então, as avaliações do economista são, digamos assim, indevidas, porque ele não foca em uma coisa nem outra. As duas coisas não têm vinculação porque elas são provocadas por problemas de natureza diferente”, avalia.

Aderson Frota, presidente da Fecomércio AM (Foto: Divulgação)
Arrecadação

A Zona Franca de Manaus foi criada em 1967, durante o regime militar, por meio do Decreto-Lei nº 288/67. A finalidade inicial desse projeto era estabelecer incentivos fiscais por 30 anos para criar um polo industrial, comercial e agropecuário na Amazônia. Com o passar dos anos, o prazo para esses incentivos fiscais foi aumentando e atualmente eles se estendem até 2073.

O modelo econômico é responsável por 48,71% da arrecadação federal da 2ª Região Fiscal da Receita Federal do Brasil, em 2021 — formada, ainda, pelos Estados do Acre, Amapá, Pará, Roraima e Rondônia. A porcentagem equivale a mais de R$ 15 bilhões. Apesar do valor bilionário, o governo federal se refere ao modelo econômico como “paraíso fiscal”.  Soma-se ao valor econômico, a contribuição ambiental, pois, segundo informações da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), o modelo é responsável pela preservação de 98% da floresta Amazônica no Estado.

Na prática, a ZFM é um grande polo econômico dividido em três grandes áreas: comercial, industrial e agropecuário. A proposta da Zona Franca de Manaus, ao reunir diversas grandes empresas, passa pela movimentação de faturamentos bilionários e gera mais de meio milhão de empregos diretos e indiretos.

A eliminação de incentivos pode gerar perda de competitividade e desemprego na Zona Franca de Manaus (Ricardo Oliveira / Revista Cenarium)

A área é dotada de uma infraestrutura tecnologicamente avançada e abriga uma vasta linha de produção em diversas áreas industriais. Essa região se destaca na fabricação de uma ampla gama de produtos, incluindo eletrodomésticos, veículos, televisores, celulares, motocicletas, aparelhos de som e vídeo, aparelhos de ar-condicionado, relógios, bicicletas, microcomputadores e dispositivos transmissores/receptores.

Preservação da floresta


O governador do Amazonas, Wilson Lima (União), enfatiza em várias entrevistas a importância do modelo econômico. Ele argumenta que a eliminação destes incentivos seria desastrosa para o Estado, pois a ZFM desempenha um papel fundamental na competitividade da Região Norte em relação ao restante do País.

Em outras palavras, se outros Estados, como São Paulo, recebessem os mesmos benefícios, as empresas provavelmente optariam por produzir mais próximas dos principais centros urbanos, deixando o Amazonas em desvantagem.

Governador do Amazonas, Wilson Lima (Divulgação/Secom)

“Cerca de 500 mil famílias dependem da Zona Franca de Manaus. Se eu perder esse modelo de atividade econômica, como é que a gente vai empregar, qual a fonte empregadora que pode abarcar 500 mil empregos de imediato?”, destaca.

Segundo Lima, o Amazonas tem 1,5 milhão de quilômetros quadrados, e a maior extensão de floresta contínua do planeta. “De toda essa extensão, 97% desse território está preservado. Isso é graças ao esforço do povo do amazonas e ao modelo Zona Franca”, afirma.

Repercussão no parlamento

O assunto reverberou na Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) e na Câmara Federal. Em resposta, o deputado estadual Sinésio Campos (PT) chamou o economista Alexandre Schwartsman, que é judeu, de nazista, mau-caráter e sem vergonha.

“Cara de nazista, mau-caráter, sem vergonha. Vem para cá, bandido. Para você ver o que é..  Esse tipo de gente é que quer arrancar cada moeda, mas eles querem ter a floresta amazônica preservada, mas esquecem que tem gente, homens e mulheres, que precisam viver com dignidade. Essas figuras que na reforma tributária querem tirar os incentivos da Zona Franca”, disse em um discurso acalorado, que foi aplaudido pelo plenário.

Assista

Em discurso na Câmara, o deputado federal pelo Amazonas, Saullo Vianna (União Brasil), também respondeu às declarações controversas do economista Alexandre Schwartsman sobre a Zona Franca de Manaus (ZFM).

Ele disse que Schwartsman precisaria adquirir um conhecimento mais profundo de geografia e história do Brasil, a fim de compreender a relevância da Zona Franca de Manaus.

“Nos últimos sete meses, de janeiro a julho, a Zona Franca de Manaus faturou R$ 98 bilhões. A Zona Franca de Manaus emprega mais de 500 mil amazonenses de forma direta e indireta. Esse modelo dá uma contrapartida muito importante para o Brasil e para o mundo, que é a preservação de mais de 90% da floresta em pé”, argumenta.

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Edição: Eduardo Figueiredo
Revisão: Gustavo Gilona

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