MP-RO recomenda veto às alterações de zoneamento ecológico e especialistas comemoram

O Projeto de Lei Complementar nº 085 propõe alterações no Zoneamento Socioeconômico Ecológico do Estado (ZSEE-RO) (Sedam-RO)

Iury Lima – Da Cenarium

VILHENA (RO) – Especialistas comemoraram, em entrevista à CENARIUM, nesta segunda-feira, 18, a recomendação do Ministério Público de Rondônia (MP-RO) para que o governo estadual não sancione ou vete o Projeto de Lei Complementar nº 085, que propõe alterações no Zoneamento Socioeconômico Ecológico do Estado (ZSEE-RO), ameaçando o avanço da preservação ambiental no território da Unidade Federativa.

“O MP-RO tem firmado este compromisso contra as ações que o capital agropecuário, por meio do Estado, tem intensificado contra o meio ambiente em Rondônia”, afirmou a professora da rede pública e pesquisadora da Universidade Federal de Rondônia (Unir), Amanda Michalski.

“Eu fico feliz porque o Ministério Público está atento e vigilante. A Assembleia Legislativa, já há um bom tempo, vem promovendo uma série de ataques com objetivo de tentar legitimar a grilagem e reduzir os territórios considerados protegidos pelo Estado”, declarou o tecnólogo em Gestão Ambiental e conselheiro da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Edjales Benicio.

O especialista e ativista ambiental diz ainda que a Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE-RO) “vem, de forma bem categórica, tentando acabar com o que há de arcabouço jurídico relacionado às políticas de conservação e preservação ambiental no Estado”. “Ainda bem que o Poder Judiciário tem tomado decisões coerentes”, complementou.

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Para o MP, o documento prevê a possibilidade de exploração em Unidades de Conservação e de terras indígenas (Edjales Benicio/Reprodução)

A recomendação

De acordo com o Ministério Público de Rondônia, “o texto normativo ameaça enfraquecer mecanismos de proteção ambiental no Estado, prevendo a possibilidade, por exemplo, de exploração em Unidades de Conservação (UCs) e de Terras Indígenas (TIs), entre outros pontos controversos”.

À CENARIUM, o órgão afirmou que o projeto de lei complementar elaborado no pretexto de estabelecer equilíbrio entre a proteção do meio ambiente, o uso e a ocupação do solo, se trata, na verdade, “de mais uma tentativa de restringir as normas vigentes sobre proteção e limitar o dever do Poder Público na efetivação da defesa ecológica”.

O MP diz ainda que o projeto, caso sancionado, “pode legitimar as ocupações irregulares existentes em áreas de especial proteção ambiental”, como concordam os especialistas e ativistas ambientais Amanda Michalski e Edjales Benicio.

“Rondônia está no processo de reorganização forçada que expõe a ação orquestrada de agentes e sujeitos ligados ao agronegócio por meio da expansão da fronteira agrícola que negligencia e expropria povos indígenas e comunidades tradicionais do campo, da floresta, da água e da cidade”, afirmou Michalski.

Professora da rede pública, ativista e pesquisadora da Universidade Federal de Rondônia (Unir), Amanda Michalski culpa a expansão agrícola pelo acúmulo de retrocessos ambientais (Reprodução/Acervo pessoal)

A pesquisadora avalia que a tentativa de institucionalização da modificação do zoneamento ecológico tem total relação com o processo conhecido como “Corrida pela Terra” na Amazônia. “O mercado de terras mundial apresenta uma dinâmica marcada por processos de expulsão. A mercantilização da terra, assim como da natureza, intensifica essa corrida, assim como o elevado número de conflitos agrários”, detalhou.

O tecnólogo em Gestão Ambiental e conselheiro da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Edjales Benicio (Reprodução/Acervo pessoal)

“Na minha opinião, essa lei que alterou o zoneamento é um absurdo. Eu concordo com o Ministério Público no momento em que fala que não teve publicidade nem divulgação dos estudos. E, os estudos que eu tive acesso, promovidos pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental, a Sedam-RO, são muito fracos. Os estudos da Sedam são, praticamente, para legitimar invasões criminosas”, denunciou o tecnólogo em Gestão Ambiental. 

“Quando você mexe com um instrumento macro, de planejamento, que é uma peça extremamente técnica, ele precisa estar muito bem embasado para qualquer alteração. Então, pra você ter uma ideia, na audiência pública da Assembleia, apresentaram apenas mapas, sem nenhum estudo socioambiental e socioeconômico. Uma ação irresponsável”, destacou. 

A aprovação

De autoria do governador de Rondônia, Coronel Marcos Rocha (em transição para o União Brasil), e com emendas de deputados estaduais, o PLC nº 085 foi aprovado na ALE-RO, em 28 de setembro, às pressas, após audiência pública marcada pela presença massiva de ruralistas em Porto Velho.

Trecho do PLC nº 085/2020. (reprodução/ALE-RO)
Leia também: Alteração de zoneamento ecológico ameaça áreas protegidas em Rondônia

O zoneamento é um instrumento para estabelecer, por meio de técnicas e planejamento, diretrizes de gerenciamento do território que possibilitem a criação e implementação de políticas públicas, desenvolvimento sustentável e licenciamento de atividades ambientais.

Em Rondônia, é dividido em três macrozonas: uma para a agricultura; uma segunda, de transição, entre a primeira e a última (onde se implementam técnicas extrativistas e de baixo carbono), e a terceira, formada por áreas protegidas. No entanto, entre as alterações, está a previsão de destinar áreas desmatadas para a expansão agrícola no lugar do reflorestamento.

Judicialização

Para o conselheiro da Kanindé, este deve ser mais um embate entre ambientalistas e o Poder Judiciário contra o Executivo e Legislativo estaduais. “Infelizmente, eu sou cético e acho que o governo do Estado não vai acatar as recomendações do MP. E terá de ser mais uma ação judicializada que vai levar anos e os prejuízos vão ficar, gerando danos, talvez, até irreversíveis para a biodiversidade”, pontuou.

Leia também: Legislativo aproveita lentidão jurídica para perpetuar processos ambientais em Rondônia

Amanda Michalski ainda condena a chamada “mobilização da fronteira”, que, para ela, alimenta retrocessos ambientais em Rondônia. “É um movimento orquestrado pelo agronegócio, que usa agricultores como ‘peões’ pautados pela lógica da ocupação arcaica e que pressiona e ameaça povos e comunidades amazônidas”, repudiou. 

“Esses sujeitos usados pelo agronegócio precisam compreender seu papel, de grande importância contra esse processo devastador que está diretamente vinculado ao crime ambiental, à insegurança alimentar e aos conflitos no campo, na floresta e na água”, concluiu a pesquisadora.

Sedam avalia o projeto

Em resposta à CENARIUM, que questionou a posição do chefe do Executivo quanto à sanção ou veto do PLC, como recomenda o MP-RO, o Governo de Rondônia disse, por meio de nota, que o documento passa por análise da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam-RO)

“Somente após o término dessa análise é que será realizada uma manifestação conclusiva sobre o assunto, a partir de então o Poder Executivo irá sancionar ou vetar o projeto”, esclareceu a nota do governo.

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